domingo, 1 de julho de 2012

Triste em gotas

Céu de um azul abissal neste Rio de Janeiro, um sol pornográfico para dias oficiais de inverno. Tudo lindo – por isso mesmo, momento mais que adequado a se falar das pequenas tristezas (adequado, sim, por questões de equilíbrio; é ou não é preferível tratar das coisas melancólicas quando há ambulância a postos, estacionada num dia azul?).

Pensei nas pequenas tristezas ao passar defronte uma vitrine daquelas com produto espalhado – um sapato no norte, outro no sul –, em óbvia tentativa de disfarçar o clima pré-fechamento. Gosto nem um pouco de vitrine com produto espalhado. Paira o constrangimento de sugerir e ao mesmo tempo esconder a falência; é a véspera das mortes de loja, o penúltimo ato dos fins de sonho comercial. Toda vez que se estendem assim, em exibição, as peças solitárias do estoque, equivale a desfraldar bandeira no navio que se sabe condenado, resignado a estar sob mira de canhão. É a despedida, a famigerada e lenta e ritual despedida, e não há que negar: despedida é muito pior que o final próprio, pois nela mora a ansiedade de aproveitar as últimas alegrias, enquanto o encerramento guarda o alívio do que remediado está. A loja com tapume é desoladora; a loja escassa é desafiante, e fere mais fundo a humilhação de nossa impotência.    

O que mais é pequenamente triste? (não entrarão aqui doenças, fomes e mortes literais, por lógica: são as tragédias inapequenantes). A criança que guardou o bocado mais gostoso para saciar-se no fim e, sem querer, desaba-o no chão. A jovem que gastou dinheirama em vestido e esperanças e não é olhada por ele na festa. O adulto que não foi contratado porque o curso ganhou baixinha classificação do MEC. O idoso que não atravessou a rua porque seu olhar não pilhou braço de auxílio. O cartaz do show que você queria ver – com a data de ontem. A bolsa tão preferida com a alça rasgando. O sapato tão preferido com a sola descolando. O jeans se recusando a atravessar o quadril. A comparação (infeliz) com o retrato de há poucos meses. O dia começando a ganhar quentume e gente na rua. O metrô começando a encher. O comércio começando a fechar. As cadeiras sobre mesas, para a faxina – que tristes, as cadeiras trepadas! O primeiro samba na Globo anunciando o fim de dezembro e suas natalices europeias. O jornal largado no ônibus. As revistas de onze meses atrás amarelando na banca de jornal. Os sofás de tecido sujo. As pinturas de paisagem em tom berrante. O bilhete de alguém que já morreu. O recado na secretária eletrônica de alguém que já morreu: pequeneza de estraçalhar muito, muito. A peça de teatro com dez espectadores. O e-mail de resposta automática. O sinal de fim de recreio.

À tristeza não se dá de comer; onde a houver, respeita-se. Argamassa de poema não se faz sem essazinhas tirando suco da gente.

Um comentário:

OGROLÂNDIA disse...

Essa postagem só não me encheu mais de melancolia porque hoje é quinta.
Se fosse segunda cortava os pulsos.
Beijogro