sábado, 30 de junho de 2012

Feliz em gotas

Volta e meia uma amiga de Facebook inicia uma outra série de fotos. Assim: repete muitão uma determinada frase, um determinado trecho, mas a cada vez com uma diferente imagem para ilustrar o tema. Há poucos dias o mote era: “Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos”. Desnecessário dizer que curti a máxima.

Curti a máxima porque é disso que somos feitos, humanamente feitos; de sentir falta. De, em acréscimo, ir engordando (até com exagero) a ideia do essencial. Porque, a rigor, carecemos de quê? casa, comida, saúde, educação, segurança – o quinteto fantástico, em termos de propaganda política. Para reduzir ainda ao mais basiquete dos básicos, botando o estilo “naufraguei na ilha deserta e sobrevivi”, precisamos de quê? um ar que se respire e uma qualquer coisa que se coma e beba. Ao corpo físico é provisoriamente o bastante, e isso mesmo se conclui da boa subsistência de outros bichos em igual situação. Mas nós acontecemos de não ser parte demais da bicharada, com a mania nossa de colocar o querer para além da fronteira, por cima do muro, para mais que a dobra do Cabo da Boa Esperança. Acontecemos de pretender um diferente essencial, que não é só o invisível aos olhos, como no dizer da Raposa; é também o visível, o cheirável, o audível suficiente para resvalar da mera vida, acontecimento biológico, para o que combinamos chamar felicidade.

Sentimos falta do pão, da carne que nos mantenha em pé, sim, mas logo após a falta orgânica há a saudade emocional do café, do sorvete, do bolo de fubá que a gente só comia na casa de campo da tia Veruska, do sanduíche de mortadela que era todo o almoço dos primeiros, melhores anos de empresa. Sentimos falta de um oxigênio nosso de cada dia pilhado no meio da fumaceira; porém, uma vez suprida a urgência respiratória, damos de sonhar acordados com o perfume da melhor namorada, o xampu preferido da mãe, o mato chovido do hotel-fazenda, a essência do bolo quente que a gente só comia na casa de campo da tia Veruska. Sentimos falta sanguínea de água adentrando a garganta; já azeitado o motor renal, desembestamos a precisar de suco de melancia, chá, iogurte, piña colada, danamos de querer beber livros e os próprios autores, citações e os próprios citantes, conhecimentos e os próprios conhecidos. Entramos numa de desejar filosofia, de ter vontade de cobertor e almofada, de planejar luminárias, de projetar viagens, de cobiçar sapatos, de ter fissura em geleias de blueberry, de comprar DVDs e camisolas, aquários e jornais de domingo: tudo desnecessário. Não precisamos de parque, de cinema, de muffin, de mármore, de Mickey, de anel, de cartaz, de trilha sonora, de namoradeira na varanda, de vaso na janela, de piscina de bolinha, de echarpe e bolero, de jeans e jardim. Não precisamos. Faz uma falta assassina.

A gente não quer só comida; a gente quer criar e esmigalhar saudades em qualquer parte.

Nenhum comentário: