domingo, 11 de novembro de 2012

You've got (no) mail

Romeu e Julieta, por exemplo. Quer ilustração maior da bodega que pode dar uma mensagem desrecebida? Todo mundo sabe, há gerações, que o perrengue na vida do casalzinho não foi briga de família – foi ausência de banda larga. Foi tropeço de comunicação. Um bilhete extraviado e pumba, eis um Romeu perdidinho de Montéquio Silva, tão surpreso com a dor espantosa que não houve tempo de criar medo. Matou-se, o gajo; faltou-lhe paciência de saber que sua solidão era falsa. Porque nada acompanha, nada consola, nada resolve, nada esclarece mais do que o verbo, o bem empregado verbo. No vazio do verbo, na viuvez da palavra desaparecida, morrem universos inteiros – esperanças atrofiadas à míngua de informação.

Entrei nessas considerações por estar folheando um livro de Moacyr Scliar, Histórias que os jornais não contam, no qual o autor parte sempre de determinada notícia pitoresca para uma recriação bonitinhamente ficcional da coisa. Uma dessas notícias, de um dezembro de 2007, é bem a seguinte: “Um cartão de Natal com um desenho colorido de Papai Noel e uma menina, postado em 1914, chegou a seu destino na cidade americana de Oberlin, no estado do Kansas, depois de ficar extraviado durante 93 anos. O cartão, datado de 23 de dezembro de 1914, tinha sido enviado a Ethel Martin, de Oberlin. Ethel Martin nunca chegou a ler a mensagem de Natal. Ela morreu antes de receber o cartão”. Verdade que nada nos autoriza a supor que a destinatária tenha vivido com um grama a menos de contentamento por causa de uma tão centenária demora. Pode muito bem, não pode? ter sido o tio-avô que enviou recado de cortesia indiferente, a colega de classe que repetiu o postal com a classe inteira, a ex-professora de piano que resolveu saudar antiquíssimos alunos. Mas vamos que o buraco no coração fosse mais embaixo. Vamos que o remetente envolvesse uma única amiga de colégio interno, que faleceu de desistência aguda ao ser ignorada por sua última esperança social. Vamos que a mensagem viesse das mãos de um futuro empresário, o qual assistira à voz da menina no coro da igreja e caíra seduzido pelas possibilidades de turnê. Vamos que – como prefere a deliciosa leitura de Scliar – o cartão trouxesse o “eu te amo” do primo que a moça exclusivamente amara, do primo cujas notícias não soubera mais, antes nem depois do casamento (infeliz) arranjado com um “bom partido”. Vamos que o alô sumido, o Papai Noel desencaminhado, fosse quanto bastasse para desviar iluminantemente o existir duma criatura.

Melhor ou pior – normalmente pior: nunca saberemos. Nunca saberemos se aquela página de declaração, aquela, tão caprichosa de letrinhas de jornal, perfumada de flor e entrega, teria surtido efeito se houvéssemos vencido o pânico de deixá-la numa mochila específica. Nunca saberemos se aquele currículo, aquele, focado na mais aguardada empresa, teria nos conseguido uma entrevista se o houvéssemos entregado ao contratante que cursou a mesma faculdade nossa. Nunca saberemos se o e-mail não enviado nos abraçaria de novo ao velho companheiro de fuzarcas na escola. Nunca saberemos se o testamento não escrito estenderia ao sobrinho a exata mão antes do fim do poço. Se o rabisco não pregado na geladeira traria o perdão fundamental, interrompido pelo acidente. Se o torpedo não digitado voltaria com outro fim de semana. Se a garrafa não atirada devolveria outra vida.

Somos todos também, por erro ou acerto, a carta de convocação que não chegou.

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