quinta-feira, 6 de abril de 2017

Tolice é viver a vida assim

... Sem aventura, diz Lulu em “O último romântico”. Concordo totalmentão, embora meu conceito de aventura não envolva abandonar a velha escola nem fazer nada, absolutamente nada irresponsável (irresponsabilidade não é aventura, é burrice extrema – não raro suicida). Quando penso em pisar fora da “vida assim”, vou com todos os equipamentos de segurança, respeitando os riscos e não jogando pôquer com eles. Aventurar-se não é se colocar em perigo; é, muito ao contrariomente, tirar-se do perigo da neurose, da senilidade, da gangrena emocional, do congelamento em vida, porque tromboses malucas devoram ligeiro quem mora no sofá e no controle remoto, mas uma oxigenação mínima mantém a combustão dos aventureiros alive and well.

Tolice é (podendo viajar grande e longe) só viajar de carro ou ônibus porque mantêm as rodas no chão, ou não viajar at all, já que se pode esquecer algo na mala, pode-se não gostar do hotel, pode-se passar mal. Aventura é fazer a listinha esperta de remédios & cia., seguro-saúde, bagagem de mão com o necessário para uma vida digna caso a mala vá passear em outro hemisfério; é se entregar às estatísticas que juram pela estabilidade dos aviões, amar a maravilhosa corridinha da decolagem, se comover quando o trem de pouso toca uma nova terra, gostar voluntariamente da comida de bordo (a cavalo dado...), aproveitar para assistir a uns dois filmes que estavam atrasados. Tolice é confiar mais nos maus que nos bons imprevistos. Aventura é prever o que é possível e achar mui menos crucial um desgostinho passageiro que uma Paris (Londres, Lisboa) definitiva.

Tolice é não curtir montanha-russa porque sim, nunca se tendo abandonado aos amores de uma. Aventura é topar a volta – se parque e mecanismo forem confiáveis –, pelo menos para saber se você não gosta mesmo ou se é um medo cultivado e terceirizado. Tolice é se recusar a pôr na boca (com fins de deglutição, está claro) qualquer coisa que fuja ao bifão com fritas ou ao sanduba com Coca. Aventura é desencanar e provar, provar, provar, sabendo que o pior a acontecer, desde que não haja alergias ou demais problemas de saúde conhecidos, é se aturar determinado sabor por três minutos. Tolice é empacar na cisma de que um amor jamais daria certo porque cor de cabelo ou preferência musical não concordam com o que você tramou desde o início dos tempos. Aventura é amar e acabou-se, se o essencial encaixa perfeitinho: ambos se respeitam, estimulam, ensinam, aperfeiçoam. Ambos experimentam. Ambos cedem.

Tolice é travar no modo “ganhar sempre”, cruel e impossível. Aventura é lidar de boas com um ou outro perder de vez em quando, e aproveitar para dar uma crescidinha, uma evoluidazinha, fazer uma descobertazinha no processo. Gente embebezada chora de tudo sem proveito; tem de ser gente grande para poder chorar como quem está se dando um jeito. 

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