Ano passado, a Grande Rio – escola de samba carioca do grupo especial – sofreu um senhor revés: foi quase engolida por um incêndio às vésperas do desfile. Entrou na Sapuca, mas não na competição. Este ano a menina veio que veio; mandou bala num enredo apropriadíssimo sobre superação, e homenageou, entre outros, o maestro João Carlos Martins, ex-pianista cujas provações físicas todos conhecem. E não é que o maestro não quis sair no carro alegórico que lhe prestava tributo? Preferiu tocar pratos no meio da bateria. Parecia especialmente feliz na posição. Aos repórteres que o questionavam, explicou com doçura sorridente: “Eu sou um músico, e minha função é ficar com os outros músicos”. Lá foi ele como bom parceiro de orquestra, fazendo sua partezinha na marcação do ritmo.
Morri de fofura com a humildade do maestro. Seria também sua função, claro, coroar a homenagem acenando de um lugar de destaque na alegoria. Mas há sempre a batida que bate mais fundamente, o pulso que nos pulsa com maior acerto e precisão. Nossas funções de primeiro grau. Nossos deveres urgentes, as vocações imediatas. Inignoráveis. As fidelidades maiores. No caso de Martins, estava no chamado do grupo que faz o som, ao qual está habituado a pertencer. Em nosso caso? mora no que quer que seja o último pensamento a nos surpreender em beira de perigo.
Sim, em beira de perigo sofremos cúmulo de honestidade. Quando há chance de deixarmos de ser, invade-nos a vertigem de nunca (ou de não suficientemente) termos sido. De não termos assumido nosso eu protagonista. De não ter permanecido na bateria quem jamais curtiu estar em evidência. De não ter investido em ser mãe quem jamais se completou no ser tia. De não ter se tornado surfista profissional quem a família convenceu a herdar o consultório. De não ter virado padre quem a família encaminhou pro casamento. De não ter topado o desafio quem considerou o salário diminuto. De não ter viajado quem era de viajar, de não ter mergulhado quem era de mergulhar, de não ter construído quem era de construir, de não ter composto quem era de compor. De termos brincado de cabra-cega no caminho, e espetado o tempo que seguramos na vontade que não nos pertence.
Indispensáveis somos no posto para o qual não achamos dublê de saudade.
Morri de fofura com a humildade do maestro. Seria também sua função, claro, coroar a homenagem acenando de um lugar de destaque na alegoria. Mas há sempre a batida que bate mais fundamente, o pulso que nos pulsa com maior acerto e precisão. Nossas funções de primeiro grau. Nossos deveres urgentes, as vocações imediatas. Inignoráveis. As fidelidades maiores. No caso de Martins, estava no chamado do grupo que faz o som, ao qual está habituado a pertencer. Em nosso caso? mora no que quer que seja o último pensamento a nos surpreender em beira de perigo.
Sim, em beira de perigo sofremos cúmulo de honestidade. Quando há chance de deixarmos de ser, invade-nos a vertigem de nunca (ou de não suficientemente) termos sido. De não termos assumido nosso eu protagonista. De não ter permanecido na bateria quem jamais curtiu estar em evidência. De não ter investido em ser mãe quem jamais se completou no ser tia. De não ter se tornado surfista profissional quem a família convenceu a herdar o consultório. De não ter virado padre quem a família encaminhou pro casamento. De não ter topado o desafio quem considerou o salário diminuto. De não ter viajado quem era de viajar, de não ter mergulhado quem era de mergulhar, de não ter construído quem era de construir, de não ter composto quem era de compor. De termos brincado de cabra-cega no caminho, e espetado o tempo que seguramos na vontade que não nos pertence.
Indispensáveis somos no posto para o qual não achamos dublê de saudade.
2 comentários:
"João Carlos Martins" cujas provações todos conhecem? eu não faço a menor ideia de quem seja!
mas viver um papel secundário, é uma das piores sensações! já tive que bater o pé e falar "só vou por onde me levam meus próprios passos"!
Realmente, a atitude do maestro foi muito legal ;)
Abraços, amigo.
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