Em 1939, início da II Guerra, o governo britânico bolou alguns cartazes motivadores para que a população não se apavorasse com os avanços do conflito. De todos os modelos, o que perdurou na história foi o de texto mais simplinho. Ele inteiro, por sinal, era uma ode ao simples: fundo vermelho, letras brancas e a silhueta da coroa sobre a frase consoladora, curta, objetiva, que botava o povo inglês debaixo das asas. “Keep calm and carry on” (“Mantenha a calma e siga em frente”). Assim. Direto, limpo. Cabeça erguida. Aparentemente deu certo.
Deu tão certo que o cartaz, redescoberto há pouco mais de uma década, virou modinha. Fazer releituras da obra é a bobice do momento. “Keep calm and join the dark side”, escrevem os jedis transviados. “Keep calm and oops I did it again”, citam marotos os fãs de Britney. “Keep calm because we all live in a yellow submarine”, juram contentes os fãs dos Beatles. Fora as engraçadices em língua pátria: “Keep calm que hoje é dia de rock, bebê”. “Keep calm and ai, se eu te pego”. “Keep calm and alalá-ô”. “Keep calm and ziriguidum”.
Segue com etcéteras e etcéteras a maluqueira, da qual não pude deixar de rir gostosamente. Inutilidade ingênua e sapeca. Ou serão tão inúteis as recomendações de calma – mesmo gaiatas – num mundo cada vez mais espavorido? É brincadeira a coisa, mas acaba que nos convence a ruminar a expressão na base do repeteco. Os olhos se acostumam às palavras mágicas. O coração fica persuadido. Cada novo formato do cartaz é uma razão colorida para desestressar, uma peça da campanha antiafobação. Vamos baixar os ânimos, meu povo. Keep calm.
Keep calm porque a maioria dos estranhos não é psicopata ou terrorista. Keep calm porque uma negociação honesta com o banco há de permitir o pagamento da dívida. Keep calm porque o sujeito que te fechou no trânsito não está numa conspiração internacional para azedar sua manhã. Keep calm porque o sujeito que assobiou na boate tem intenções boníssimas com sua irmã. Keep calm porque o vizinho não deixou cair a tinta azul de propósito, keep calm porque o inquilino não atrasou por safadeza o depósito, keep calm porque antes da prova tem montão de semana pro estudo. Keep calm porque a gente ferve e queima a largada em quase tudo. Sem combustão de véspera. Sem sofreguidão na espera. Hold on.
Keep calm e cheire o jornal antes da leitura, passe um café antes da conversa, passe no florista antes do cinema. Keep calm e continue os bons romances, os bons vinhos, os bons vídeos, os bons princípios, as boas finalidades. Keep calm e derreta o gelo, conserve as geleiras. Keep calm e prefira a bike, conserve o planeta. Keep calm e se dê férias de agonia, pausa na neurose, folga de dieta, tempo no trabalho, break no relatório. Keep calm e (no mínimo) seis vezes por semana troque prazo por abraço, preço por presente, carro por carícia, canteiro de obra por Jardim Botânico. Keep calm e curta o que é curto sem esquecer as declarações devidas e longas. Keep calm, relaxe e se goste. Keep calm, deite e se erga igualmente repousado em si, amante de si, perto ou longe do travesseiro. Enjoy-se inteiro.
(Mas também não deixe de trancar a porta, cumprir o prazo, cumprir dieta, fazer planilha de gasto, fazer seguro do carro, lembrar a conta e o aniversário, abrir o olho e fechar o gás, evitar a praia cheia e a rua deserta, o site e o transeunte esquisitos, o tráfego no último dia do IR, o trânsito sem filtro UV. Keep wise.)
Deu tão certo que o cartaz, redescoberto há pouco mais de uma década, virou modinha. Fazer releituras da obra é a bobice do momento. “Keep calm and join the dark side”, escrevem os jedis transviados. “Keep calm and oops I did it again”, citam marotos os fãs de Britney. “Keep calm because we all live in a yellow submarine”, juram contentes os fãs dos Beatles. Fora as engraçadices em língua pátria: “Keep calm que hoje é dia de rock, bebê”. “Keep calm and ai, se eu te pego”. “Keep calm and alalá-ô”. “Keep calm and ziriguidum”.
Segue com etcéteras e etcéteras a maluqueira, da qual não pude deixar de rir gostosamente. Inutilidade ingênua e sapeca. Ou serão tão inúteis as recomendações de calma – mesmo gaiatas – num mundo cada vez mais espavorido? É brincadeira a coisa, mas acaba que nos convence a ruminar a expressão na base do repeteco. Os olhos se acostumam às palavras mágicas. O coração fica persuadido. Cada novo formato do cartaz é uma razão colorida para desestressar, uma peça da campanha antiafobação. Vamos baixar os ânimos, meu povo. Keep calm.
Keep calm porque a maioria dos estranhos não é psicopata ou terrorista. Keep calm porque uma negociação honesta com o banco há de permitir o pagamento da dívida. Keep calm porque o sujeito que te fechou no trânsito não está numa conspiração internacional para azedar sua manhã. Keep calm porque o sujeito que assobiou na boate tem intenções boníssimas com sua irmã. Keep calm porque o vizinho não deixou cair a tinta azul de propósito, keep calm porque o inquilino não atrasou por safadeza o depósito, keep calm porque antes da prova tem montão de semana pro estudo. Keep calm porque a gente ferve e queima a largada em quase tudo. Sem combustão de véspera. Sem sofreguidão na espera. Hold on.
Keep calm e cheire o jornal antes da leitura, passe um café antes da conversa, passe no florista antes do cinema. Keep calm e continue os bons romances, os bons vinhos, os bons vídeos, os bons princípios, as boas finalidades. Keep calm e derreta o gelo, conserve as geleiras. Keep calm e prefira a bike, conserve o planeta. Keep calm e se dê férias de agonia, pausa na neurose, folga de dieta, tempo no trabalho, break no relatório. Keep calm e (no mínimo) seis vezes por semana troque prazo por abraço, preço por presente, carro por carícia, canteiro de obra por Jardim Botânico. Keep calm e curta o que é curto sem esquecer as declarações devidas e longas. Keep calm, relaxe e se goste. Keep calm, deite e se erga igualmente repousado em si, amante de si, perto ou longe do travesseiro. Enjoy-se inteiro.
(Mas também não deixe de trancar a porta, cumprir o prazo, cumprir dieta, fazer planilha de gasto, fazer seguro do carro, lembrar a conta e o aniversário, abrir o olho e fechar o gás, evitar a praia cheia e a rua deserta, o site e o transeunte esquisitos, o tráfego no último dia do IR, o trânsito sem filtro UV. Keep wise.)
3 comentários:
Eu nem sabia disso aí!!!
oO
hahaha
nossa! sou historiador mas não sabia disso! obg por compartilhar essa informação! belo texto.
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abraços!
te espero no meu infinito.
Eu acabei de postar um estudo no meu blog sobre esse negócio de ter medo do outro, do estranho.
É a globalização que nos deixa esbaforidos, no entanto, de cabeça fria tudo fica mais proveitoso. O problema (e o exercício) é manter a cabeça fria quando todos explodem ao seu redor.
Paz.
http://alteregodonuti.blogspot.com/
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