Hoje (dizem) são lembrados os 488 anos do nascimento de Luís de Camões. A data é questionável, até a Wikipédia duvida. Irrelevante. Relevante é o fato de Camões em algum momento ter nascido, e, para minha alegria específica, ter escrito aquele soneto que narra a labuta de Jacó atrás do casamento com sua amada: “Sete anos de pastor Jacó servia/ Labão, pai de Raquel, serrana bela;/ Mas não servia ao pai, servia a ela,/ E a ela só por prêmio pretendia”. Por aí vai. Lindissimamente, Camões conta em versos o episódio bíblico no qual o patriarca, depois de ter trabalhado sete anos para o sogro a fim de desposar Raquel, foi enganado por ele e recebeu a irmã da gata, Lia. Qual a única solução? Pegar no batente por mais sete anos para merecer a beldade, lógico. Ora que pergunta. E lá foi Jacó; só ao fim de quase uma década e meia é que conseguiu a esposa desejada. Raçudo, o homem.
Pelo engenho de Camões e pela paixão incondicional de Jacó, o soneto tem um dos mais belos desfechos já construídos na literatura: “[O triste pastor] começa de servir outros sete anos/ Dizendo: – Mais servira, se não fora/ Para tão longo amor tão curta a vida!”.
Adoro sem reservas o último verso. Para todos os amantes é verdade, lamento, lema: tão longo amor, tão curta a vida. O amor (que assim mereça o nome) é sempre mais comprido. Sempre mais demandante, sempre mais insaciável do que lhe permite uma meia dúzia de cem anos. Amor não termina de ser; está eternamente em déficit, pendurado no cheque especial, inadimplente, devedor, ou antes: o tempo lhe deve. O amor quer – quer mais, quer muito, quer agora. O amor não sossega.
Não me refiro (necessariamente) a sexo, beijo, amasso, pele, às mais nervosas de suas manifestações físicas. Me refiro ao amor em si, em todos os exigentes meandros; inteiro. Me refiro à constatação diária, ciumenta, de que o dia acaba e o amor não. A gente não acaba de querer ver televisão com o outro, noite adentro zapeando e rindo – mas o despertador toca às 6h amanhã. A gente não acaba de querer embalar o outro em maravilhas: joias, flores, veludos, pelúcias, cremes, chocolates, açúcares – mas conta bancária e colesterol são rigorosos em seus limites. A gente não acaba de querer viajar com o outro para Orlando, Campos do Jordão, Paris, Niterói, Viena – mas cadê meses e moedas bastantes para encaixar aventuras? O mundo tolhe, amarra; o amor prossegue. Arregalado em suas fomes.
Tão curta a vida para lhe dar bons-dias, para beijar-lhe o nariz, para partilhar os cafés de hotel e as novelas das seis, para dormir no colo, para tirar foto, para pular nas festas ploc, para almoçar nos sogros, para brincar de arborismo. Tão curta a vida para escolher presentes, caprichar em embalagens, escrever cartões, deixar trufas, preparar bolos. Tão curta para dividir Sessões da tarde, para pegar sessões à tarde, para comentar do filme, para discutir a cena, para regargalhar a cena, para entender junto o final. Tão curta, tão curta para tudo que importa, tudo que – ao contrário dos impedimentos de expediente, cartão de ponto, folhinha, extrato bancário – mais interessa. O amor não cabe no tempo regulamentar do jogo. O amor não acaba de bater pênalti. O amor transborda.
Não há bodas de ouro, platina, tungstênio ou adamantium que deem conta da (exasperada) infindabilidade do amor. E coloquem o relógio em seu devido lugar.
5 comentários:
Oláá!
Vim lhe dizer que tenho algo pra vc lá no blog. Corra pra pegar! rs..
Beijos! =**
Também gosto muito desse soneto, na verdade curto mto a sua obra como um todo!
Insensivelmente, lembrei que 14 anos para Jacó deve ser pouquinho, na Bíblia, pros tempos mais antigos, eles viviam 700, 800 anos. rs
Okay, passado meu momento 'coração de pedra' fiquei até carente. Já conheci o amor, uma ou duas vezes, mas ainda não o verdadeiro, o que sempre perdure, e que faça do tempo insuficiente. Sei o que é o dia acabar e querer estar com ele, nem que seja emocionalmente, ouvindo sua voz. Mas não sei nem a sensação de uma vida acabar, e desejar estar com ele no fim dela. Seu texto me deixou carente, e morrendo de vontade de ligar para ele. Você escreve muito bem, parabéns :)
A velha busca pelo amor ideal. Uma pena que as pessoas não são.
Tão curta a vida para lhe dar bons-dias...
Verdade! A vida é curta até para VIVER.
Abraços.
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