quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Sem luta

Atualmente, o “vem que a novela tá começando” deslizou, lá em casa, do horário das 21h para o das 18h, e aportou definitivamente no 1910 da afiadíssima Lado a lado – pérola que, além do elenco escolhido a pinça e da direção artística de babar, arrasou total ao focalizar uma época das mais trepidantes e menos exploradas na história carioca. Até aí, maravilhas. Problema é que, na ânsia de retratar os perrengues das primeiras mulheres divorciadas no Brasil, criou-se uma fissura improvável num dos amores mais equilibrados do enredo. Laura (Marjorie Estiano) deixou há pouco o marido Edgar (Thiago Fragoso) porque este trouxe para o país a filha ilegítima que gerara em Portugal quando eles ainda eram noivos. Não, sejamos justos: não foi por causa da meninazinha inocente e asmática que a protagonista enfulou-se da vida. Foi por causa da mãe da meninazinha inocente e asmática, vinda na rabeira – uma Alessandra Negrini toda trabalhada nas caras, bocas, cinismos e abusos. Se Edgar ainda demonstrasse gostar da tipa, se a esposa tivesse elementos para supor inevitável uma nova traição, não digo nada; o desrespeito e quebra de confiança abonariam a separação de corpos. Mas nem perto disso. O máximo que houve foram duas ou quatro intromissões de Catarina, a ex-amante, na rotina do casal, e sempre com exploração da doença da filha: coisa que amofina sem comprometer a lealdade romântica. Laura, porém, viciada na ideia de que jamais seria passiva como as mulheres da época, exasperou-se à primeira armaçãozinha fuleira da sirigaita e pediu o divórcio. Não conversou, não ponderou, não considerou que fazia exatamente o desejado pela outra, não pensou que Edgar (desta vez) não tinha culpa, não se lembrou dos “na alegria e na tristeza” tão prometidos no altar, não honrou sobretudo o amor intenso e perfeitíssimo que constantemente jurara sentir pelo marido. Pediu o divórcio. Abriu mão integralmente, abriu mão de mão beijada. Descartou tão mais rápido quanto mais lhe era caro. Desistiu sem dó. Desistiu sem luta.

OK, também não sou chegada a uma relação apimentada pela dúvida, tormentosa de intranquilidades, intervenções, invasões. Há quem curta uma emoçãozita e seja estimulado pela batalha, aprimorado pela incerteza. Eu e Laura, não. Desprezamos o embate com lacraias, temos nojo de joguinhos disse-me-dissescos, gostamos de amor limpo e translúcido como cheiro de mato e olho de bebê. O conflito nos seca, nos desincentiva, nos cansa; competição é coisa que me brochava mesmo nas aulas de educação física. Mas a paixão do sossego não implica covardia. A preferência por manter os amores com digna doçura não significa cometer harakiri sentimental antes de entrar em qualquer disputa. Uma coisa, e boa, é pacifismo; outra é abandonar o bote ao remoto som do tiro alheio e deixar o parceiro sozinho no time que deveria ser de dois, só porque não molho meus dedinhos nessa água fria. Mensagem embutida: você, baby, não vale um arrepiado da minha escova ao ver torpedo de mocreia no seu celular. Beijo, não me liga.

Eu, fosse o baby, não ligava. Quem diz tchau e bênção no primeiro rufar de tambores – considerando, claro, que esteja inocente o objeto do entrevero – levanta no mínimo a suspeita de que não vale o esforço. Como há de se sentir a criatura desertada pelo fato de seu companheiro de fé, irmão camarada não estar a fim de sofrer incômodo? Laura que me desculpe, mas persistência é fundamental. Amor, sem em momento algum ser barraco, é uma grande teimosia. Teimosia chique. No salto. A fulanilda mandou torpedo pro celular? Você (com a anuência do gato, óbvio) devolve com outro, finíssimo, agradecendo a oferta mas explicando que os dois são adeptos de relacionamento tradiça, sem qualquer previsão de ménage à trois – e aproveitando para dar referências de alguns amigos seus que estão no mercado (com a anuência dos gatos, óbvio). A periguete viu que ele está acompanhado e não para de enviar decotes pra sua mesa? Vire-se com um sorriso gentil e a taça erguida em tom de brinde, ou sugira ao lindo que ele cochiche “Como é grande o meu amor por você” no ouvido da banda e a tire (tire você, naturalmente) para uma dança com beijo de cinema. Catarina apareceu na casa da família oficial com a neném no colo, alegando que a febre subiu e não há condução possível para hospital a essas horas? Laura estende gentilezas de orelha a orelha, toma a criança no colo e prontamente se oferece para levá-la, ela própria, aos cuidados de seu pai médico. Exige sangue-frio? Litros. Exige máscara? Colada com Super Bonder. Vale a pena? Tudo vale a pena se a relação não é pequena.

Quem quer passar além com seu amor, tem que passar além da dor. Chi-quér-ri-ma.

Um comentário:

Nayara Galeno disse...

Adorei! É bem isso mesmo. Assisto a novela quando dá e acho que a Laura entregou o amor dela de bandeja. Mas penso também que é para diferenciá-la da Isabel, que lutou com todas as forças pelo amor do Zé Maria, mesmo quando ele a desprezou. Laura é imatura, não luta, se retira, foge. Quem sabe veremos uma mudança da personagem ao longo da novela.