sábado, 30 de março de 2013

A maçã no escuro

Sei lá se é sinal desses tempos em que ninguém guarda mais rigor e silêncio ou se sempre foi assim, e eu já não notava de tapada. Mas, vendo minhas alunas adolescentinhas, comecei a cismar que meninas de 13 anos não amam mais como outrora. E sustente-se que não falo de ser peguete, ser fiquete, ser qualquer coisete com urgência e sem apego; falo de amor mesmo, amorice sonhada e exclusiva, que pode mudar de feição mas está sempre lá, recolhendo suspiros de garota antes de o último abajur da casa apagar a luz. Pois até esse amor julieto, com suas qualidades tão propriamente ditas, anda mudando de cara ou de voz. Antes, na classe, era a paixão obrigatória dos meninos que se gritava e se difundia, como que forçada a empavoar-se para passar comprovante de testosterona: o João Pedro é homenzito oficial, está gostando da Gisela e a escola inteirinha sabe – da professora de Geografia ao Chuí. O gostar feminino era, usualmente, mais restrito a brincadeiras de “verdade ou consequência” feitas em fins (inícios, meios) de trabalho de grupo na casa da Carla ou da Luciana; mesmo ao explodir era sutil, dito à socapa ou proclamado não oralmente nos cadernos de pergunta que as gurias passavam uma à outra, e que eram primórdios de Facebook. Até para cair em boca de Matilde o gostar das meninas se fazia elegante, demoroso, valorizado como informação que se arranca com propina, disfarçado entre risitos e outros tudos-nadas que selam cumplicidades de décadas.

O mais delicado: tantas vezes os amorinhos das pequenas simplesmente não vinham à tona. Eram mastigados fruta-proibidamente na solidão do recreio, espiantes, insuspeitos, ou talvez suspeitos mas nunca confirmados, pois que algumas de nós tratavam aquele jovem querer com a sacralidade necessária. Para confidentes havia os diários com chavinha e essência de boneca, havia o cantarolamento no banho, os momentos de vitrola e os andares no jardim. Não era preciso nem pensável que toda a gente estivesse informada e comentosa, que de uma parte à outra da sala fossem bradados os amores como estes de minhas alunas; não era de modo algum essencial a publicidade como marco de existência, sabia-se existir invisivelmente ou quase, sem dar satisfações a cada pardal que nos filmasse os passos e nos pedisse contas. Não havia blogs que berrassem o que as chavinhas de diário mantinham calmo e intacto, não havia (se não explicitamente provocássemos) fórum tão público de parcela tão privada, tão isenta de impostos. Nem havia, que eu me lembre, detalhes palpitantes tão narrados aos professores com tanta discrição de polichinelo.

Ninguém vá pensar que eu compactue dos cantares-de-galo masculinos e ache que esses “não são modos” de mocinha. Ninguém vá risivelmente acreditar que eu tolere a prosápia dos boys e imponha freirices às senhoritas. Longe disso. Sempre lamentei o desassombro com que os rapazes divulgavam seus segredilhos, e, se lamento o mesmo nelas agora, é por ver cair uma última trincheira. Não lastimo pelo gênero de quem exibe seu amor nascente, lastimo pelo amor itself, pouco a pouco menos parecido com seu rosto próprio. Independentemente do gritador, sinto pelo amor que não é coisa de ser gritada dos telhados, como bem dizia Quintana; sinto pelo amor que perde força sem o tempo devido de reconhecimento e estufa, sem o berçário da reflexão, sem andaimes de intimidade, sem o altar das noites sorridas ou choradas só entre janela e travesseiro. E sinto pelo menino ou menina que perde em idade e poesia com esse amor muito verde, muito pele, muito cedo para tanta propaganda. Sinto pelo garoto ou garota que expõe o querer à luz depressa demais, que lhe queima com susto e sol as pétalas só crescíveis em remanso, que força a saída das asas só construíveis em recato. Amor começa sozinho, põe cimento sozinho, para depois de muita sozinhez evoluir, docemente, do um para o dois – antes, tão antes de passar ao vinte e ao mil.

Pobre do amor esturricado de olhos quando mesmo o seu não se abriu.

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