sexta-feira, 15 de março de 2013

Ululantes

Aliás, não é só a competição que nos torna óbvios. Andamos de uma obviedade acachapante. Estarrecedora. Não me parecia – ou era impressão minha? – que chegássemos a ser tão óbvios há, por exemplo, uma década. Que seja, talvez, uma influência tenebrosa do politicamente correto; quem sabe? Vivem todos pisando em ovos, aterrorizados de ler ou emitir palavra que se desvie do caixote e toque a sirene vermelha antes de ganhar a interpretação devida. Hein – “interpretação”?? Quem é que tem tempo para isso, ora pílulas?... Negócio é receber diariamente o bandejão já deglutido de expressões da temporada, socadas na mesma lata de sardinha. Pisou fora do vocabulário carimbado pela Anvisa, lascou-se. É um preconceituoso, vendido, reacionário, perigo real e imediato, inimigo público. O equivalente idiomático a desfilar na areia de pochete.

E aí as obviedades comem. Com a eleição do papa Francisco, foi de chuá; em nada, nada, nada mais pensavam os canais vários senão perguntarem 837 vezes ao dia, com ar de descoberta da 8ª. dimensão: “Em quem se inspirou o papa para escolher seu novo nome?”. Em São Tomás de Aquino ou Santo Ambrósio, provavelmente – eu me retorcia. Também me irrita demasiado o entrevistador de jogadores durante a partida. O sujeito está lá, bufando, mancando de cinco pernas, o time tomando de oito a zero, vem o repórter e lhe enfia um microfone sorridente: “O que você está achando do jogo?”. Ó pena! que os esportistas são docemente precavidos contra a imprensa, engolem a resposta que vem boiando nos olhos e ofegam um “o time cometeu erros, mas a gente é unido e vai voltar no segundo tempo para buscar a vitória”, que se aplica a toda e qualquer pergunta feita na borda do campo, inclusive que horas são. Agora: produtor de ululâncias, no duro (que citei ontem mas merece repeteco, por ser hors-concours na coisa), é o eterno BBB. Só escapa de ser pior pelo quarto B que apresenta o programa e lhe confere algum frescor de dignidade. Porque convenhamos. Eu que me pilhasse lá dentro: era surto líquido e certo, com probabilidades de homicídio assim que ouvisse o primeiro “adoro ela, sou perdidamente apaixonada por ela, daria dois braços e um nariz por ela, mas voto nela por questões de afinidade”. Certo que eu permaneceria mais uns vinte anos no confinamento, porém a edição tenderia a ser tirada do ar. Lucro indiscutível.     

Também não é mais do que obviedade aguda essa modorra intelectual que anda arrastando hordas para as salas com filme dublado. Os odiosos filmes dublados. Nada contra nossa dublagem brasileira, excelente no quadro mundial; tudo contra o ato de dublar em si. Se se tem mais de sete anos, alfabetização decente e visão razoável (corrigida ao menos), dublar pra quê, criatura? Nos desenhos, vá lá; não há mesmo atores e só se troca seis por meia dúzia. Mas havendo atores! Havendo atores que assim não se ouvem em seus sotaques, suas criações, suas entonações, seus 90% de esforço atuante! Desfeita. O cúmulo. O mergulho no óbvio, nos sons óbvios, nos fonemas óbvios, nas expressões conhecidas, no feijão-arroz-farofa-bife da língua natal, já sobejamente lida e escutada do abrir ao fechar de olhos. A mediocridade sonora, a preguiça leitora, o comodismo cultural de quem quer só extrair uma sessãozita da tarde para arredondar a sesta, sem reais vínculos e reverências ao conjunto da obra. Sem o pulo no contexto. Sem a experiência completa. Só uma história suco-digestiva bebida de canudinho.

Assim os temas de redação das escolas municipais, que enfeitam de palavra bonita a ululância do “faça um resumo do livro lido”. Assim os repórteres de RJ-TV que vão “ouvir” o povo da rua e alegremente encaminham a pergunta para um “sim” ou “sim”, enfeitando qualquer drible às regras com o bruto de um sorriso amarelo. Assim a quantidade sufocante de mensaginhas no Face com paisagem ensolarada e confie-em-si-mesmo. Assim os que divulgam seus “planos para o futuro”. Os que declaram ser este “um elo de ligação entre duas realidades”. As rimas miserentas de pagode. O vocabulário anoréxico dos funks. Os flashbacks de novela recordando a cena vista há 34 segundos. Os diálogos de novela reforçando a tatibitatização dos últimos nove anos.

Sugestão de matéria de capa para a próxima Nova, bombástica: 1.001 posições inéditas no kama sutra do pensamento. Pra ver se a gente consegue voltar a crescer – inesperados, elásticos, ardentes, criativos – antes de (se) multiplicar.

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