domingo, 17 de março de 2013

Dar horizonte

Foi entrevistado da Revista O Globo deste 17 de março o jornalista e escritor Eduardo Lyra, autor do livro Jovens falcões – que fala de 14 bem-sucedidos saídos do nada – e do projeto Gerando Falcões, ciclo de palestras e atividades upzadoras para produzir mais bem-sucedidos saídos do nada. Curti especialmente o comentário sobre o ato de percorrer escolas públicas e motivar a gente moça da periferia: “Mas não quero dar presente, quero dar horizonte. Presente bota o jovem na zona de conforto”. Verdade. Presente (quem viu Dogville ou é professor do município sabe) tem uma asquerosa tendência a se cristalizar como obrigação. Pega o outro despreparado para o merecimento; chove nele o agrado não necessariamente querido, não devidamente cultivado, de desejo não suficientemente construído. Resultado é que mata a primeira fome como um susto e ativa a fome de coisas menos primeiras, menos básicas, que não mais com facilidade choverão. Se o faminto não foi amaciado para ganhar presente, não sabe estar grato; apenas mais faminto. E não se deixa clara a estrada de atingir novos presentes sem ser pela espera ou pelo resmungo. Em suma: cria-se um monstro.

Dar horizonte é coisa diversa, oposta até. Não sacia as fomes urgentes, zumbis; pelo contrário, abre o apetite. Dar horizonte é botar um binóculo na cara e convencer que mesmo as urgências fáceis – sono, medo, luto, namoro, ânsia de passar o dia à-toando na rua – podem aguardar seu tempo ou sumir do mapa, em prol da Vontade maior que se põe a acenar no fim do caminho. Dar horizonte é trazer a autoestima do “depois” (só gente importante tem “depois”); colocar uma etiqueta de valor nos afazeres de um dia antes tão vago, tão avulso, tão gratuito. Apreçar para desapressar; pôr preço futuro em cada minuto presente para que tudo não vire um carpe diem negativo, uma correria de prazeres inúteis, uma pressa doida de conquistas inócuas. Quem tem horizonte sabe que não basta ter chão atual, embora amável, perfumado e necessário; é preciso enriquecê-lo com novos projetos de chão, é preciso ará-lo e debulhá-lo para que a beleza não só perdure em si como se desdobre, alimente. Quem tem horizonte planta Megassenas em vasinhos. Quem tem horizonte vê uma Disney onde outros veem charco, suspeita o diamante na ganga, intui a carta impossível na manga. Não recebe o mundo em compasso binário, não mora no óbvio, não dá corda à conversa previsível, aprende com a fonte imprevisível, inventa a colheita, antecipa a colheita onde outros passam sem atinar com a riqueza potencial. Quem tem horizonte não deixa de constatar o hoje; analisa-o melhor, inclusive, para dele ordenhar a mais eficiente catapulta.

(O dador de horizontes: quem fornece ou ajusta o grau dos óculos. Quem alfabetiza na sociedade. Quem inscreve na corrida. Quem adivinha sol amarelo e castelo que estão a cinco ou seis retas de nascer numa – suposta – folha qualquer.)

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