Não sei vocês, mas eu adoro quando um daqueles vendedores adentra o ônibus onde estou e se põe a propagandear seus produtos (desde que não nos intimide a aceitar as “amostrinhas” que seremos, depois, obrigados a devolver constrangidamente). Devo excelentes canetas – com folhinha e tudo! – a essas visitas. Mas o que mais me agrada é o ritmo da cantilena: “Senhores passageiros, primeiramente me desculpem por incomodar o silêncio e a tranquilidade de sua viagem... Venho trazer para os senhores...” – e dá-lhe descrição de benefícios maravilhosos e preços incríveis, que sempre parecem mais coloridos numa oportunidade inesperada. Gosto muitão da lista de valores: “Bala de menta, um real... Bala de tamarindo, um real... Amendoim, dois por um real...”. Pelo compassar arrastado, de voz exausta, acabo inevitavelmente relaxando. O rame-rame funciona como mantra involuntário.
Comove-me bastante a preocupação (ainda que burocrática) de pedir desculpas por nos roubar o silêncio. Eu, uma silenciólatra, com muitíssima relutância divido bancos de metrô com mp3s nas alturas, acompanho conversas que não gostaria, sou azucrinada pelo telefone que não para, recebo tapas do carro da pamonha, do verdureiro, do vassoureiro, do ferro-velheiro, do camelô aos berros, da buzina que não pede passagem. Cidade é um estupro auditivo. O vendedor de ônibus, não: pode aborrecer alguns, porém mostra uma consciência tão humilde desse fato, abre caminho de jeito tão cavalheiro, que lhe cedo de bom grado uns instantes de atenção. Às vezes, uns trocados a mais. Compro a caneta de três cores, mas pago pela delicadeza com que me furta um dos bens mais preciosos. Pago pela consideração de me invadir com um “por favor”.
Em tempos de calamidade, já é alguma coisa.
5 comentários:
Nunca havia relfetido sobre isso. Na verdade, sempre me incomodei com alguns ambulantes que entram nos transportes públicos, mas você apontou um aspecto que eu nunca havia notado. Eles sim são respeitosos, mesmo que a legislação vigente não permita comércio dentro dos transportes.
Bala de tamarindo é horrivel *rs
Enfim, eles poderiam estar matando e roubando, como muitos afirmam , porém preferiram vender os doces...e as canetas...Fernanda, o jeito é se conformar, pois ninguém vende o silêncio, embora a maioria esteja interessada nele.
Oi Fernanda !
Bem vinda ao meu blog, e ja estou feliz por conhecer o seu, com um texto tão reflexivo.
Gosto dos que entram no trem, tem historias fantasticas, e tento adaptar pra alguma coisa que escrevo sempre.
Obrigado pelo elogio e pelas sugestoes, que prometo seguir com afinco.quanto ao que escrevi no meu, vou te explicar sobre o policial : se vc ler o texto com outra perspectiva vai perceber que existe uma mudança de um personagem a outro, por exemplo, o primeiro morre e é criminoso, o segundo um infeliz no casamento, o terceiro é quase um feliz, mas esse quase poderia ser completo. Se vc vive com medo vc não é uma pessoa feliz e isso se aplica a esse personagem, pois era neurotico, diferente de outros policiais que conseguem viver sem tanto medo. Assim se era infeliz na profissão deveria ter achado outro oficio pra não viver fugindo de inimigos imaginarios.
espero que entenda meu ponto nesse sentido.
beijo seguindo
Verdade,não importa aonde estamos e vamos,o discurso é sempre o mesmo - ao menos o inicio dele .
Esses sim são bons vendedores,passam o dia em pé,falando com um ou com outro e sempre com preços que cabem no nosso bolso.
A pessoa vender algo para ter dinheiro,sendo honesto nao deve ser humilhante nem nada,pelo contrário. Todo trabalho é digno.
;* Rafa
http://naoseescreve.blogspot.com/
Nunca tinha pensado sobre isso, bem aqui é a mesma coisa, o mesmo discurso. Gostei da frase: ''Cidade é um estupro auditivo. O vendedor de ônibus, não: pode aborrecer alguns, porém mostra uma consciência tão humilde desse fato, abre caminho de jeito tão cavalheiro, que lhe cedo de bom grado uns instantes de atenção.''Você abordou um assunto que eu nunca tinha visto ser abordado! Ótimo blog, estou te seguindo aqui!
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