Hoje foi o Thanksgiving, tradicional e celebradíssimo nos EUA. Infelizmente não bomba muito no Brasil como Dia de Ação de Graças. Ao contrário da importação mais ou menos bem-sucedida do Halloween, o Thanks é solene e recorrentemente esnobado. Pena.
Pena porque existem poucos sentires mais gloriosos que a gratidão. A criatura grata já se encontra em estágio suficiente de evolução para receber favores sem a folga de quem não os valoriza e sem o mau humor de quem os deve. O grato vive, até, no doce espanto de seu imerecimento, porém não rebaixa a dádiva ao patamar de dívida: alegremente homenageia o doador com a humildade de aceitar (e nada mais quer um doador real que a chance de ceder felicidade pura, sem a contaminar de comércio). O ingrato se avexa do imerecimento e, soberbo, tenta comprar por preço qualquer o que – pelo tanto valor que tem – não se vende a não ser de graça. Ou então é o ingrato esquizoide, convencido de ser Napoleão: que me tragam, que me tragam tudo, obrigação mesmo é me servir. Vício de império próprio do delinquente em formação.
Mas o que vem de graça não tem moeda que o devolva em igual medida, por não haver medida. Nem é recompensa dada a alguma (tentativa de) grandeza terrestre. Graça não tem credor, não faz credores. E por isso nos desconcerta. Foge à nossa organização mundinha de causa e consequência, de etiqueta e cartão de crédito. Está lá na nova canção da Marisa: "Eu realmente não sei/ o que eu fiz pra merecer/ você". Estava lá na trilha da Noviça rebelde: "Nothing comes from nothing/ nothing ever could/ so somewhere in my youth or childhood/ I must have done something good". Mania da gente, sempre procurantes do Grande Algo Que Fizemos Certo. Tem disso não. Amor e seus gêmeos não são depositados na conta por serviços prestados. É, sim, um grande serviço que lhes prestamos não os expulsar da hospedaria, por não virem com a fatiota dos que precisam de maquiagem para valorizar o produto.
Graça chega de cara limpa. Aceitem-na como é – ou não. Caso não, retira-se serena e tenta mais tarde. Ou não tenta. Interessante, pois, é não lastimar a visita perdida. Recebê-la no emprego mantido, no presente inimaginado, no cartão parabenizante, na dor ida embora, no filho voltado. Na água que gelou, no café que não esfriou, na pizza que chegou, na mancha que saiu, no marido que não esqueceu. No bufê, no buquê, no fácil, no sacrifício, no sol, na sombra, no metrô, no camelô, no bar, na barba, no rosto. No resto. Na palavra que encaixa e no carrapicho que solta. Na calça que cabe e no espaço que sobra. No sábado que entra e na quarta que sai. No tudão que parece tudinho quando não estamos (verdadeiramente) olhando.
Olhemos. Cantemos. Hoje, amanhã, em – como diz o comercial de banco – dois mil e sempre. Não permitamos que a graça, de ignorada, deixe de teimar em nossa direção.
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