Ontem falei que os motivos de existir uma campanha universal pelo descontentamento me fogem à compreensão. Menti. Ao menos parcialmente. Não é que eu atine inteiramente com a razão de se tornar quase obrigatório um mínimo de resmunguice diária, mas o Fantástico do último domingo mostrou a ponta do novelo. Quem viu o programa deve ter se impressionado com a visita de Clayton Conservani e sua equipe ao Vale das Lágrimas, parte da Cordilheira dos Andes marcada pela tragédia inclassificável de 39 anos atrás. Ali desabou o voo de um time de rúgbi; dos 45 passageiros, somente 16 sobreviveram, e na base da pior refeição que se possa conceber: carne de companheiros mortos. Dois meses e meio de inferno congelado. Comentando o episódio, o sobrevivente Gustavo Zerbino deu-me luz ao explicar que não fazia sentido as vítimas do acidente ficarem lamentando sua sorte depois da queda do avião: “Quem reclama da vida está bem. Quem está mal, quando está realmente mal, cerra os dentes e segue em frente”.
Pronto. Eureca. Pequenas ranzinzices, apesar de aborrecerem bastante se exageradas, são socialmente desejáveis na dose certa porque significam nada menos que um sinal de vida. Resmungar é supérfluo: gasto luxuoso de energia. Só se escuta a ranhetice daquele que está (ou se sente) ainda na beirada do poço; quando muito, no meio. Do que já desceu tudo que podia, ouve-se apenas o silêncio gritante – o som do corpo ou alma em regime de urgência, da força hibernando, do ser que decretou estado de calamidade pública. Não há tempo, não há calorias senão para existir, para manter um equilibriozinho de abismo. O resto é desperdício de carbono. Nas fuças da morte física ou mental, reclamar é suicida.
Entendo o raciocínio, embora discorde da premissa. Nosso Ocidente é cronicamente incapaz de distinguir silêncios: aquele com sinal vermelho na porta e aquele grávido de paz. O calar de quem expira e o de quem se respira. O de luto e o de sossego. Na (nossa) impossibilidade de saber qual é qual, por via das dúvidas se quer barulho, muito barulho. Para as mães, pirralho quietinho demais está doente ou arrumando jeito de ficar. Para os amigos, membro do grupo não medita nem se entristece: passou um dia lendo ou dormindo, mergulhou na deprê. É mundo que nos toma o pulso, mede a pressão e confere os batimentos de dez em dez minutos, com zelo neurótico. Resmungou! ufa, está respirando. Se tem índole de monge tibetano e não resmunga, prepare-se para beliscões eventuais. A dor nos torna detectáveis pelo radar.
(Não que a humanidade se oponha aos que resolvem ser felizes com moderação, é claro. Desde que o sejam em voz alta. Para a gente poder ouvir da cozinha.)
Pronto. Eureca. Pequenas ranzinzices, apesar de aborrecerem bastante se exageradas, são socialmente desejáveis na dose certa porque significam nada menos que um sinal de vida. Resmungar é supérfluo: gasto luxuoso de energia. Só se escuta a ranhetice daquele que está (ou se sente) ainda na beirada do poço; quando muito, no meio. Do que já desceu tudo que podia, ouve-se apenas o silêncio gritante – o som do corpo ou alma em regime de urgência, da força hibernando, do ser que decretou estado de calamidade pública. Não há tempo, não há calorias senão para existir, para manter um equilibriozinho de abismo. O resto é desperdício de carbono. Nas fuças da morte física ou mental, reclamar é suicida.
Entendo o raciocínio, embora discorde da premissa. Nosso Ocidente é cronicamente incapaz de distinguir silêncios: aquele com sinal vermelho na porta e aquele grávido de paz. O calar de quem expira e o de quem se respira. O de luto e o de sossego. Na (nossa) impossibilidade de saber qual é qual, por via das dúvidas se quer barulho, muito barulho. Para as mães, pirralho quietinho demais está doente ou arrumando jeito de ficar. Para os amigos, membro do grupo não medita nem se entristece: passou um dia lendo ou dormindo, mergulhou na deprê. É mundo que nos toma o pulso, mede a pressão e confere os batimentos de dez em dez minutos, com zelo neurótico. Resmungou! ufa, está respirando. Se tem índole de monge tibetano e não resmunga, prepare-se para beliscões eventuais. A dor nos torna detectáveis pelo radar.
(Não que a humanidade se oponha aos que resolvem ser felizes com moderação, é claro. Desde que o sejam em voz alta. Para a gente poder ouvir da cozinha.)
8 comentários:
amei o final
uahuahua
bjs
passa no meu quando quiser tah?!
http://meninos-cor-de-rosa.blogspot.com/
Nossa!
Foi direto no ponto.. sem floreios... Boa leitura e reflexão!
;D
Muito interessante seu texto e essa abordagem. Realmente é de cada um como comportar-se diante das situações de vida, e reclamar ou não, ser mais efusivo ou não, não é uma obrigatoriedade. Mas pensemos que somos como ambulâncias a carregar um paciente terminal em nosso interior, num trãnsito infernal: se não ligamos a sirene para alertar as pessoas de nossa pressa, o paciente morre. Para muitos, não basta apenas olhar pelo retrovisos e ler "ambulância". É preciso que ela esteja com a sirene ligada!
http://estacaoprimeiradosamba.blogspot.com/
Muito bom ;D
Li num fôlego só!!
Só tenho elogios. Pra não ficarem vazios (é que seu texto é completo, qualquer adendo é reduntante) eu teclo no óbvio: a gente tem esse faniquito de inquietude/inconformismo. Não pelo bem não pelo mal, mas é mais forte que a gente. Abração!!
Muito interessante!
E profundo também.
Parabéns pelo blog.
http://gerandodiasmelhores.blogspot.com/
Adoreei, muito bom o texto.
Parabéns!
http://marysimplicio.blogspot.com/
Foi uma boa leitura!
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