segunda-feira, 4 de julho de 2011

Declaração de independência

Declaro minha independência da fúria tecnológica, da urgência eletrônica. Concedo-me o direito de só trocar o celular por ocasião de seu último suspiro, de não tuitar do metrô nem ver RJ-TV na fila do banco, de esquecer o telefone desligado na bolsa por não me querer encontrável. Renuncio ao prestígio de ser emergencial, uma vez que médica, mãe, babá, mecânica ou analista de sistemas não sou. Dou-me o dever de almoçar sem interrupções e os parabéns por ter usado duas versões do Windows, olhe lá, em minha não longa existência. Declaro minha independência de kindles, tablets, iPads, iPods, mp3s, notebooks pendurados no pescoço. Das câmeras digitais, confesso-me leal vassala; mas declaro minha independência das filmadoras.

Declaro minha independência dos preconceitos, todos – o que não quer dizer, absolutamente, que não tenha conceitos próprios. Proclamo a liberdade de discordar sem humilhar, isolar ou agredir. Declaro minha independência dos comentários à boca-pequena, dos apelidos implicantes, do jornal de boatos, das anedotas racistas, das manifestações pitboycas, das revistas de celebridades, dos programas exploradores, das pegadinhas estúpidas, das torcidas organizadas, das fofocas (que dispensam adjetivo: não há senão as maldosas). De tudo que foi “pensado” – se é que se aplica o termo – para fazer parecer que os respectivos criadores estão em melhor situação humana que suas vítimas.

Declaro minha independência de nicotina, cafeína, álcool, drogas, chiclete, chocolate, baralhos, roletas, tabuleiros, mentiras e muletas tais (embora ainda tome um pouco mais de analgésicos do que o aceitável). Declaro minha independência do cartão de crédito, mas não da vitrine. Do salto, mas não do sapato. Da maquiagem, mas nunca! do perfume. Da chapinha, mas não do leave-in. Do esmalte, mas não da lixa. Da esteira, mas não da bicicleta. Da Coca-Cola, mas não do Ades. Do samba, mas jamais! do cinema. Da maternidade, mas não da fraternidade.

Declaro minha independência de todo colonizador que não esteja com o nome na portaria, ou que não queime seus navios bélicos imediatamente após a entrada.

Sem mais, assino-me.

9 comentários:

VicciVic disse...

Gostei muito da forma com que o texto foi escrito. Declarar independência a todas essas coisas supérfluas se torna cada vez mais subversivo ao passar dos anos. Que tempos terríveis esses que vivemos!

Emily disse...

Ah, que bom seria se mais pessoas declarassem independencias como estas! Que bom seria...

Gostei muito, muito mesmo do texto. Parabéns.

♥ Evelin Pinheiro ♥ disse...

A-do-rei!!
Tá de parabéns pela escolha do texto. É de sua autoria? Se não for, sugiro que coloque os direitos autorais!
Adorei pq nos dias atuais somos sbjugados a ter as mesmas opiniões que a maioria e a utilizarmos o que está na moda. Bom ver que ainda existem aqueles que mantém suas opiniões próprias!!
Vou te seguir. Me visite e espero que goste tanto do meu cantinho qto gostei do seu!!

BeijO*-*
http://evesimplesassim.blogspot.com/

♥ Evelin Pinheiro ♥ disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
♥ Evelin Pinheiro ♥ disse...

ps: li outros textos, perdi a conta. Seu textos são deliciosos. Confira uns textos meus tb. To seguindo e ja te colokei na minha lista de favoritos. BeijO*-*

DouglasFerT disse...

Lendo o seu texto logo penso: Como somos dependentes!Principalmente digitais.
Mas creio que se eu dissesse não a tudo isso a que iria me pegar? Creio que é nato do ser humano essa dependência extrermista. Melhor ser viciado em atualizar suas redes sociais pelos menos 49 vezes por hora do que fumar, drogar-se ou beber esse número de vezes correspondentes ", rs

Mas SERIO: O ser humano jamais será totalmente livre. A liberdade é apenas uma ilusão deliciosa de se mastigar. Mas apenas uma ilusão.

Mas SÉRIO:

Ravi Barros disse...

Nossa, simplesmente PERFEITO.
Amei de verdade a forma como você escreveu, uma leitura muito gostosa mas sem deixar de ser útil e muito reflexiva, gostei principalmente da primeira parte, a que diz respeito à tecnologia!
Parabéns!

Almir Albuquerque disse...

Muito bom esse texto, bem vigoroso. Gostei do gancho com o 4 de julho, dia da independência norte-americana, notórios imperialistas do mundo.

Grande beijo e parabéns


Rama na Vimana

http://ramanavimana.blogspot.com/

Anônimo disse...

Está um dia lindo lá fora, mas estou aqui em frente ao computador, minha dependência. Como disse outro leitor a liberdade/independência é uma ilusão, mas poderíamos nos tornar mais dependentes de coisas que fizessem bem pra nós e para o próximo.

http://lerdetudo.blogspot.com/