terça-feira, 26 de julho de 2011

Que olhos grandes você tem

Hoje é o Dia dos Avós. Gostaria de poder dizer que, dos quatro regulamentares a que temos direito, converti os pênaltis com 100% de aproveitamento. Mas não. O casal paterno viveu e morreu em Portugal sem que eu os conhecesse. O vô materno viveu e morreu – no Brasil – sem que meus pais se conhecessem (embora Mãe fale dele com tanta delícia que lhe tenho saudades). A materna, em compensação, conheço desde o princípio dos tempos. Um dia depois de o caos virar luz, ela já era mãe ao cúmulo.

Eis o problema: mãe ao cúmulo. Acúmulo de mãe. Lindo, se isso significasse colo, histórias e serões de Dona Benta (somados a bolinhos de Tia Nastácia). Significa, antes, uma das personalidades mais estrondosamente difíceis que já pisaram neste hemisfério. Minha avó engoliu o Big Brother. Não é que nos tenha dado uma infância de general – longe disso: brincamos com a saúde feliz de qualquer criança. Mas brincamos com uma carga de cismas, um tanto de preconceitos e alguns exagerados cuidados pesando nos ombros. Vó não era (não é) carinho ou carícia; é exame e posse.

Nem por isso, por não ter recheio de pirlimpimpim, encarnou a Cuca. Vó era a que zangava com a menininha de sete anos que tirou 8,4 em Ciências, mas também a que chamávamos (chamamos) de “você”. Era a que me rotulava desobediente, mas também a que me ensinou a comer torrada com margarina (descoberta olímpica, a margarina!). Era a que ameaçava queixas horríveis quando Mãe voltasse do trabalho – e a que mandava bem no pudim de pão, enquanto Mãe não voltava do trabalho. A que ainda quer ser porteira de nossas entradas e saídas – e a que costurava pacientemente quando eu aprendia a contar até cem em voz alta. A que tem delírios de perseguição – e a que presenteou boa parte do mobiliário de casamento. A que decide não-gostar pra sempre de algumas pessoas – e a que me passou o gosto pra sempre das palavras-cruzadas. A que me matava de vergonha levando galochas para eu trocar na escola – e a que me buscava todo dia na escola. A que me acha feia por estar muito magra – e a que (abençoada seja!) me acha muito magra.

Vó é o personagem azedo e dedicado, sovina de afeto e generoso de gasto, atento de horário e desencanado de pronome – o personagem chantagista e amoroso que Machado, Eça e Dickens não escreveram. Literatura de gente grande para a qual se lamenta não ter chance e ocasião de melhor amor. Amor que exige e repele com igual medida. Seja como seja, benditas as mãos que nos entregaram essa biblioteca de sentires, essa graduação de vida na qual nos bacharelamos diariamente.

(Este texto tão grande é para te ver e amar melhor, vovó, e para te entregar o mais doce da cesta, o mais grato, o mais vero, livre de todo contágio, puro de qualquer mágoa, saudoso de cada momento, enquanto o lobo terrível – Deus o afaste! – não vem.)

4 comentários:

Lucas Adonai disse...

Muito bom ;D
Parabéns!

Jeh Pagliai disse...

Olá :D
Dia pra comemorar e compensar todo o amor que nossos 2os pais, que alem de nos educar, nos "deseducam" como ninguém, hehehe

Beijinhos para todos os vovós e vovôs!

Beijinhos

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www.jehjeh.com

Sayuri Suguino disse...

Adoro seu blog! Parabéns!

http://mmmorango.blogspot.com

Vanessa Ponzoni disse...

Ahh queria tanto ter avo...snif snif