quarta-feira, 13 de julho de 2011

Fala que eu te escuto

Um dos programas de segunda-feira no Discovery Home & Health é o angustiante Enigmas da medicina, cheio de pacientes (bota pacientes nisso) que ficam meses, anos, décadas lutando contra os sintomas mais disparatados, sem que uma alma médica consiga descobrir a origem da perturbação. É criança que chora só de ficar ao ar livre, olho que vira pro lado errado, músculo que não vira pra lugar nenhum, perda de sentidos ao volante, vômito que vem de madrugada, dor de cabeça que vem a qualquer hora (e, geralmente, não vai). Um House da vida real. Por fim, certo jaleco iluminado identifica a síndrome de Whtyrhtwhkljman, a doença de Kokeshitoshibasashimi ou uma gripe megalomaníaca. Alívio do telespectador. Ficamos gratos por tabela ao doutor ou doutora que promoveu o happy-end. Mas o maior agradecimento do paciente em questão costuma ser: “finalmente achei um médico que me escutou, que não disse que eu estava inventando, que não me considerou maluco(a)”. Fosse qual fosse a moléstia, cada processo de cura do programa não começou com tomografia, hemograma nem diploma de Harvard na parede; começou com um bom par de ouvidos.

Ouvir, ouvir de verdade, é tão cascudo que devia ser carreira de vestibular. Ouvir recebendo a pessoa, e não se jogando nela. Ouvir refletindo, mas não simplesmente se espelhando. Ouvir com uma ficha em branco diante de si, não com um cadernito de receitas. Ouvir sem precompletar. Ouvir sem predesenhar. Ouvir sem predeterminar. Ouvir noventa-porcentomente, falar apenas dez (dá e sobra). Ouvir em pouso, sem pausa, sem modem, sem celular. Ouvir também com os olhos. Ouvir, de preferência, sem os braços. Ouvir de virar abrigo, de virar maca, de virar berço. Ouvir de se tornar casa. Ouvir de nem ser tanto escola. Ouvir de convidar pra morar na gente. Ouvir de quase não pesar, de quase não fazer barulho, de não espantar pensamento, de andar no outro com a ponta dos pés. Ouvir de usar pantufas. Sshhh, não perturbe: gente falando.

Ouvir profissionalmente. Pedreira. Tanto que Rubem Alves sugeriu novo curso para compensar a superênfase que damos à oratória: estudemos escutatória. Todos. Antes de dar uma chegadinha em Harvard, diplomemo-nos na arte que ainda vai impedir este planetinha de virar terra de gente rouca. E corações surdos.

9 comentários:

Sandro Mangueirense disse...

Muito interessante o que você comentou. Realmente em muitas das vezes, muito mais que a cura do corpo, os pacientes procuram também curar a alma, e aí entra o fator humano. Isso não é matéria obrigatória, mas deveria. Toda pessoa com alguma enfermidade, seja ela qual for, está fragilizada, e quer muito mais que um diagnóstico ou uns comprimidos para curar-lhe a dor. Talvez se a medicina, de uma forma geral, abordasse mais a questão humana, muito mais vidas poderiam ser salvas.

http://estacaoprimeiradosamba.blogspot.com/

Sergio Trentini disse...

Sem palavras pro teu texto. A partir de hoje acompanharei teus posts. Ganhaste um leitor! Parabéns pela escrita limpa e fascinante!

Tarcio Brandão disse...

Muito interessante seu texto.Ouvir realmente é uma arte.Sabe eu até que desenvolvo isso na minha vida, mas em família, em casa, algo me deixa surdo.Peço muito a Deus pra limpar os meus ouvidos e que me dê paciência para ouvi-los, pois sem compreensão é impossível conviver, ainda mais numa relação médico-paciente.Poderia se pensar numa ciência para isso mesmo, e porque não? Adorei seu blog.Seguindo.

http://aondeasvesvao.blogspot.com/

André AlvLim disse...

escutatoria...
Rubem Alves é um gênio, para mim.
A felicidade as vezes está ao nosso lado, nas pequenas coisas do dia a dia. Em nossa busca por um carreira profissional adequada, estudo, etc. Não percebemos que a felicidade não está no fim do caminho e sim no caminhar.
Falar é bom. Saber ouvir é uma arte.

estou seguindo

http://atras-dos-olhos.blogspot.com/

Dayana Silveira disse...

Muito interessante tb vejo muito a discovery ,gostei do blog,pretendo seguir

André Narciso disse...

É verdade,a melhor coisa e ter uma pessoa para te ouvir.hoje em dia não é qualquer pessoa que tem a capacidade de ouvir você.Então muito legal o post,e o blog.Parabéns!

Lucas Adonai disse...

Muito bom ;D
Gostei muito da desenvoltura do texto.

Nathacha disse...

SEGUINDO :)

se puder retribuir, ficarei grata!


Um bjo


Nah

Italo Stauffenberg disse...

sua análise foi muito interessante e um pouco cômica! estudemos a escutatória. não é?

parabéns pelo blog!

http://manuscritoperdido.blogspot.com/