terça-feira, 19 de junho de 2012

Coitadismos

Megaconcordo com Flávia Antunes, cuja carta foi publicada na Revista da TV do último Globo dominical. Diz a leitora que não consegue “compreender a implicância do júri artístico com Júlio Rocha, na ‘Dança dos famosos’. O ator vem mostrando ritmo, musicalidade, leveza e desenvoltura. [...] Pegar Júlio para bode expiatório e não votar em quem realmente é uma pedra dançando é ter receio da opinião pública, de ir contra o politicamente correto [...]. Assumir que A ou B não têm desenvoltura é ajudar a fazer do Brasil um país onde esforço e talento são reconhecidos e não a demagogia que a tantos desconforta”. Onde é que eu assino, Flavinha?

Não dá pra entender, de fato, a cisma com as peripécias musicais do ator, a não ser pelo ponto de vista que a leitora esfregou nos devidos narizes. A “Dança dos famosos” recebeu um tão nada metafórico título justamente porque, olha que coincidência, trata-se de uma competição de dança. Dan-ça. E aí vem a covardiazinha de alguns jurados e transforma em quê? “Penita dos famosos”. Olha que maravilha, o Maguilílson baila com a ginga de um estegossauro mas topou o desafio, e está lá ensaiando todo dia, coitado. Bora dar um pirulito pra ele. Reconhecer o esforço. Merece voltar semana que vem, e depois, num nível cada vez mais alto, até ficar constrangedoramente óbvio que já deu o que tinha de dar, enquanto os que proporcionariam melhor espetáculo (com justas chances de vitória) estão assistindo à competição do banco. É a generosidade às avessas: o puro egoísmo de quem não se expõe na reta, não quer ser o que demite, o que dá bronca, o que fica malzinho na fita, com fama de bruxa ou tiranão. É a pura incompetência de quem – agora já entornando o exemplo da “Dança” nos demais setores, notadamente brasileiros – acredita que tratar igualitariamente é coisa não de princípios, mas de fins. Quem acredita, ou finge acreditar, que todos podem tudo; que todos podem ser bons em tudo; que o resultado é irrelevante; que o não traumatiza; que o fracasso é, a priori, destruidor de autoestima; que é mais sensível permitir que alguém se enrede em mentira por não haver ninguém com habilidade e coragem suficientes para dizer-lhe a verdade – ninguém que coloque o tempo e a saúde mental do outro acima de sua própria imagem de fofinho.

E assim herdamos alunos (a quem julga que exagero, franqueio as portas da sala de aula: see yourself!) crentes que sua presença física é bastante e sobrante para uma aprovação em fim de ano: “Mas eu copiei o exercício, professor! Eu copiei!” – o guri mendiga um meio pontinho, indignado com a nossa recusa, após anos sendo persuadido de que já está concedendo excepcional favor ao mestre. E assim cultivamos uma sociedade plasmada no elogio ao medíocre; um agrupamento de criaturas que, com dó ou medo de exigir excelência, confundem negligência com democracia e papaizismo com doçura. E assim vemos a dita igualdade se calcando não na elevação do estágio “mais ou menos”, mas no rebaixamento do conceito “bom”; não no nivelamento pelo patamar do especialista, mas pelo do indiferente. E assim alimentamos crianças humilhadas em suas capacidades porque os pais as deixam ganhar o jogo sem legitimidade nem merecimento – e, portanto, desenha-se uma geração inapta para distinguir o bom do mau desempenho, o excelente do melhorável, o político que só não rouba do político que faz, o médico que só não mata do médico que cura, o prédio que só não desaba do prédio que fica, o amor que “serve” do amor que é. O país-gerúndio do país-particípio. Participado. Resolvido. Assumido.

De (só) boas intenções o Brasil devia estar cheio.

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