sábado, 23 de junho de 2012

Pedintes

Abaixo a mendicância, postou minha amiga outro dia no Facebook – esclarecendo que não, nada tinha a ver com pedir dinheiro na rua (embora tampouco seja coisa de elogiar, moral ou socialmente). Referia-se a prisão pior, se pior há do que estar de estômago escravizado à bondade alheia: atar o futuro ao querer do outro. Ficar de dignidade pendurada num não, num sim que não chega, num celular que não traz alegria e convite, num endeusamento que tudo autoriza a quem não nos está acima ou abaixo, a quem calhou de nos receber adoração sem às vezes provocá-la ou pedi-la. É cruel depositar-se assim – vida, força, fôlego –, jogar-se inadvertidamente em mãos que não tiveram curso técnico de divindade. Mais cruel é achar-se, de repente, com esse pesadume de Atlas no ombro: o poder não pretendido de ceder felicidade ou tirá-la. A responsabilidade sombria de andar com um universo no bolso, ser palavra de vida ou de morte; e a imensa, imensa culpa de recusar com convicção um tão-pouco que forma para alguém um tudo. O sofrimento de fazer sofrer quando parece bastar uma só parcelinha de condescendência.  

Que árduo é existir e respirar por dois.

Porque é isso a mendicância emocional: alguém pressionado a existir com parasita de alma. Muitas vezes não é parasitose explícita nem calculada, é apenas uma gigante tristeza, uma incontrolável dependência que se enfia nas brechas do ser explorado. Passa-se a atender às pequenas súplicas de olhos aqui, a uma meia dezena de beicinhos ali, a uma exceçãozinha tanto já combatida acolá, pronto; o cidadão enroscou-se no que, uma semana atrás, ele próprio criticava. Enroscou-se nas novas obrigações, criadas por vergonhosa via de pena, irresistível pena. Mas há também a mendicância que, sem ser menos covarde, não enreda numa construção sutil; entrega-se logo, pedinchona e implorante, constante e patética. Essa é trágica por matar desde cedo o afeto pelo qual se acaba. Começa o jogo necessariamente perdendo, e sabe; agarra-se a isso, porém, preferindo a aborrecida piedade à indiferença digna, preferindo um caco de atenção desprezante ao silêncio honroso. A moral do coração pedinte é elástica em seu benefício: perdoa-se por boiar anos a fio abraçada ao mesmo amor que assassinou.

Que assassinou, sim, visto que amor é criatura asmática, escaldada do menor abafamento e ciumenta de generosidades. Basta a ameaça do sacrifício terceirizado e ele desiste de haver.

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