quinta-feira, 14 de junho de 2012

Por enquanto

Foi pitoresca a cena. Eu chegava da rua; entrei no prédio junto com uma moça a quem nunca vira, e, consequentemente, acompanhei-a no elevador. Nada fiz de extraordinário. Não comentei sobre as viradas do tempo, a situação do Brasil na Libertadores ou o show das Empreguetes na novela. Limitei-me a dar alguns sorrisos de mera sociabilidade entre o portão da rua e o elevador, além de agradecer ao porteiro que me abriu a porta do cujo (eu, como sempre, assoberbada feito mascate). A moça perguntou em qual andar eu ficaria, falei, ela apertou o botãozinho devido, novamente agradeci. O feijão-com-arroz da vida em comunidade. Enquanto subíamos, virou-se a vizinha e lançou: “A senhora mora aqui? desculpe perguntar”. Moro, confirmei sorridente. “Mas a senhora é nova no prédio.” Esclareci que, de fato, só estava ali há pouco mais de seis meses; por quê? “Ah!”, fez a moça como quem entende, “é porque a senhora é simpática!” Montei uma interrogação de rosto e voz e ela, percebendo-me confusa, completou: “É que, sabe? isso não é comum...”.  

O fato já está antigo há um dia, mas me confesso ainda docemente perplexa. Lisonjeada, claro, por ter sido considerada simpática com tão pouquíssimo. E atônita por isso mesmo: com que então andamos de tal modo feras, feridos, andamos a tal ponto sujeitos a grosserias e azedumes, espezinhados por indiferenças e resmungos, escaldados de friezas e nervosismos, que tão pouquíssimo como a polidez mais elementar basta para nos dar relevo entre pares? Tão terra-de-cegos estamos que um “obrigada” é rei? O que mais aturde: pode portanto o tempo de permanência ser determinante na alegria dos afetos, lendo “afetos” como os basiquíssimos gatilhos das relações até de pura superfície? Quando, assim, somos educados – somos educados por enquanto?

Assombra-me o fatalismo que nos há de tornar a todos bebebês: contentinhos e amiguitos durante as primeiras luas de mel, encaramujados e ranhetas depois que o frescor das seduções iniciais tropeça no desinteresse preguiçoso. Assombra-me esse prazo de validade para a simpatia, para no mínimo a simpatia – aquela que haveria de subsistir civilmente quando mesmo já houvesse morrido a esperança da conquista amorosa, do parasitismo funcional, da aliança financeira, do favorecimento político, da xícara de açúcar domiciliar. Enquanto persiste a simpatia just because, é viável a humanidade. Se falta esta inclusive, oficializou-se a barbárie: ficamos um bando de visigodos incapazes até da gentileza que não dói, até do agradecimento quase passivo, até do “por favor” que queima zero caloria, caso soe a desperdício o investimento. Caso se sobreponha, à energia gasta, a insuportável ausência do lucro direto, palpável, líquido.

Espanta-me sobretudo a renúncia ao direito mudo e constitucional de sorrir. The horror. Enterrem-me antes que o cansaço do planeta chegue aos finalmentes.

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