segunda-feira, 4 de junho de 2012

Lady in red

Perfil da estilista Mara Mac nO Gobo deste domingo. Ela confessa que, “mesmo amando a cor vermelha [...], só usa preto, marrom e azul-marinho. ‘Tenho quadris largos, só eventualmente uso vermelho’”, justifica Mara. Sei não. Também tenho quadris largos – provavelmente mais largos que os dela, ó ossatura! –, mas um vermelhito não me faz medo. Cor alguma me faz medo. Desde que, é óbvio, mantenhamos a sensatez das proporções: nada de panos grudados nem de tom mais claro na parte de baixo. Realmente não costumo julgar essas preferências alheias, nem muito menos pretendo (ai de mim) ensinar o pai-nosso à estilista; porém, visto que a própria denunciou seu gosto malogrado pelo coradão, permito-me suspirar. Por que é que as pessoas amantes de vermelho se autoencarceram numa confiável prisão de preto, marrom e azul-marinho, ainda que sejam gabaritadíssimas nas artes de corte e costura, de design e harmonização? Por que alguém que é atilada e rainha nos truques da moda sacrifica sua vontade cromática ao julgamento de um ou dois centímetros, ao receio de três ou quatro olhares? Por que se abdica de um luxozinho possível em prol da rigidez inventada?

Há os que se deliciam com Agatha Christie ou literatura de jornaleiro, mas não lançam mão das páginas proibidas nem em viagem de férias, para não serem apanhados em flagrante delito durante as leituras de mestrado. Há os adoradores de chocolate que não o comem nem em dia santo de ano bissexto, para não estragar a elevação espiritual da dieta macrobiótica. Há os papais e mamães que adoram game e não disputam partida com os filhotes nem em fim de semana, para não se verem humilhados em sua postura de educadores ou não serem incentivadores da diversão eletrônica. Há metades de casal que se deleitariam em chover mimo nos parceiros, mas são abstêmios de doçurices para manter a sua fama de maus. Há milhão de derramamentos não derramados, bilhão de pequeninas alegrias não vividas, quaquilhão de cores não usadas e bolos não provados e filhos não abraçados e filmes não vistos, e crepúsculos desperdiçados em nome da seriedade dos expedientes, e beijos ignorados em busca da vitória nas brigas, e baladas não dançadas em honra das reputações azedas. Há uma absurdidade de vermelhos que, embora preferidos, ficaram na orfandade dos desejos que os abandonaram na porta da idealização.

Só a síndrome do medo gratuito pode impedir a sensatez de vestir a cor que quiser.

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