terça-feira, 12 de junho de 2012

Feliz por obrigação

Tem coisa que estrague mais um dia que o peso de torná-lo especial? Tem nada. Foi hoje uma das datas mais lascadas para essa overdose de alegria coletiva, que dá rebote deprê nos desavisados. Especialmente nas desavisadas. O 12 de junho é a metonímia, é a maquete da vida amorosa: tamanha pressão se cria em torno de um encaixe paradisíaco, de uma perfeição novelesca, de um contentamento obrigatório, que as senhoritas queridas minhas por pouco não enfartam de estresse romântico. Tão estupradas de felicidade se veem que lindamente se esquecem (quem se lembraria?) de ser felizes.

Ser feliz é o menos. Dia dos Namorados, como anda aí à roda, né coisa pra amador não. Dia dos Namorados é pedreira. É luta renhida. Dia dos Namorados é Chuck Norris. Não basta encontrar, almoçar, cinemar, jantar com tranquilidade e delícia, paixão e gargalhada. Até parece. Há! rio-me. Presta atenção, meu filhinho: Dia dos Namorados tem de englobar O encontro, O almoço, O cinema (aliás, cinema? Bora upgradear isso aí!) e, notadamente, Ooo jantar. Precisa rolar Outback, haja ou não haja fila de espera de 237 mesas e expectativa de 40 a 65 minutos para conseguir... o nome na lista de aguardantes – achou que era assim molezinha? Precisa rolar Antiquarius, quebre ou não quebre as contas do cartão de crédito pelos 84 meses seguintes. Precisa rolar lua cheia estapafúrdia de grande na praia deserta, esteja ou não esteja no quarto minguante e na noite que é puro toró cinzento. Pre-ci-sa – e ficam ele e ela, particularmente ela, naquela tensão de plenitude que mal respira, mal ousa fazer gesto brusco ou contar piada abrupta, ou soltar comentário menos absolutamente talhado para a situação. Ssshhh, olha a luzinha vermelha: qualquer ato em falso, qualquer olhadita de lado, qualquer muxoxo e a felicidade amorosa se dissipa, corça assustadinha. Que (todos sabem) uma gafe é uma gafe em todo dia do ano, fonte de risadas e folclores; no Dia dos Namorados, uma gafe é hecatombe nuclear digna de frequentar pauta de Rio+20, e a memória à flor da pele ameaça guardar o romance gorado por todos os séculos.

Posso soar contrária à celebração da data. Não sou. Detesto discursos de que se trata “de um dia comercial inventado pra gente gastar dinheiro”, embora tenha a ciência de que é assim exatamente. É assim exatamente; mas o que custa, meninos, fingir com doçura que não é, e deixar que as respectivas recebam seu espacinho na agenda – o espacinho de chamego e bobagem aberto às vezes a fórceps? Aquilo a que sou contrária é a espetacularização excessiva, a ansiedade involuntária, a expectativa fantasiante que acaba tolhendo a preferência pelo simples, sufocando a realização mais pronta e espontânea. Sou contrária ao monopólio do dia-ideal-ou-nada, do terror doentio aos pequenos acidentes, da mainstreamização das alegrias. Estou (estarei sempre) pelo direito ao Dia dos Namorados comido na barraquinha de cachorro-quente, se for de absoluto gosto; pelo direito ao torto, ao atrapalhado, ao presente enviesado, ao passeio sem lua, à dança pisada no pé, ao pulo na Ilha Fiscal com barco quebrado e resgate da Marinha. Estou pelo direito ao buquê que dá alergia, ao chocolate que é odientamente recheado de ameixa, à Sessão da tarde que foi cruelmente pensada para teens. Pelo direito à felicidade ainda assim retratável, ainda assim intransferível, ainda assim inesquecível, digna do álbum de queridices sem culpa.

Seja qual for a cara com que tenha saído na foto.

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