segunda-feira, 11 de junho de 2012

Desabrochar quando

Na mesma Revista dominical que trouxe aquele texto da Martha, havia o perfil de Orlando Alves Granjeiro, conhecido como o Garçom do Sinal, que, há 21 anos, faz ponto na Glória (bairro aqui do Rio), entre a Rua do Russel e a Avenida Augusto Severo. “Garçom” vem do fato de Orlando vender água e demais refresquices, no sinal fechado, servindo-as de bandeja – chiquérrimo. Não só vende seus produtinhos como chama as mulheres de “minha madame” e os homens de “minha excelência”, além de fazer “o seu tradicional movimento de quadris, numa demonstração de equilíbrio”. Enterneceu-me a reportagem de Pedro Sprejer, sobretudo, por descrever Orlando como “um homem mirrado e tímido que só desabrocha quando está com a bandeja no sinal”.  

Aliás: enterneceu-me o “só desabrocha quando”.

Porque é isso. Dificilimamente temos o fascínio pessoal como full-time job e arrasamos da manhã à noite, machos e fêmeas-alfa em todos os âmbitos. Existem, sim, os que nos parecem múltiplos bonzões, fantásticos em beleza, carreira, vida amorosa, social, esportiva. Existem; mas não vão além do “parecem”. São criaturas encantadoras que, embora possam mesmo brilhar em várias áreas, ficam eternos aquéns do que projeta nosso ressentimento guloso. Florescem em criação musical e boniteza, e no entanto são trágicos em manutenção de amizades e finanças. Arrepiam no amor e no sexo, e a despeito disso não conseguem emplacar uma tentativa empresarial que preste. Estraçalham no trabalho e nos esportes, e ainda assim são rematados incapazes em arribar a própria autoestima. Superacontece. Por sinal, estou para ver acontecer diferente, em alguma criatura galáctica. Entre o timinho dos terráqueos, rola bem por aí: a gente pode (deve) ser equilibradamente bacana em circunstâncias gerais, mas só desabrocha quando se pilha naquele nosso contexto alma-gêmeo, aquele que nos tira da mediocridade para nos emprestar a faísca dos especiais. Dos especialistas.

A menina desengonçada no ginásio desabrocha quando desfila Mara Mac. O rapaz que se consome em depressão desabrocha quando se percebe diante do piano de cauda. A senhorinha que transpira indiferença desabrocha loucamente quando a desafiam para a palavra-cruzada. O senhorzito que só resmunga nos-meus-tempos desabrocha de luzir o olho quando lhe fazem perguntas de História do Brasil. Aquele desabrocha escrevendo. Aquela, resolvendo todo e qualquer perrengue de informática. Aqueloutra, maquiando e maquiando-se como os mais gabaritados do ramo. Ali temos um olhar que desabrocha fotografando; acolá, um segundo que vem à tona pintando a óleo; um terceiro, adiante, que vira holofote de graças quando resolve problema de Física, e depois um quarto que se transfigura flertando na dança de salão. Há para cada qual seu nicho de – direi que além de maior conforto – maior iluminação, elegância, completude, plenitude, às vezes bem-aventurança mesma; não glória como consequência mundana (a de se ter os refletores em cima), mas glória interna, delícia emocional, inteireza pessoal. A glória de se achar habitando a si próprio em bem exato momento.

Com 100% de povoamento.

Nenhum comentário: