sexta-feira, 8 de junho de 2012

Um minuto de barulho

Foi esse o tweet espertíssimo que um tal John Lopes sacou da cartola quando faleceu o criador dos amplificadores Marshall. “Um minuto de barulho.” Estou com John Lopes: por que restringir homenagens póstumas à nhenhenhice dos minutos de silêncio, se o sujeito tudo que fez em vida foi cantar e cantar e cantar a alegria de estar num eterno showbiz? ou se era rouxinol de palcos líricos, ou se era corredor de Fórmula 1 que gozava em cada ziuuuuuuuuuum pregado no ouvido da plateia? Por que cobrir de rosas o túmulo dos alérgicos, por que encomendar mármores para a campa dos discretos, por que alimentar de longos velórios o enterro dos que nem no casamento quiseram aparecer um segundo além do sinequanônico?

Nah. Guardados os devidos respeitos às tristezas da morte, às saudades da vida, sou partidária das despedidas feitas sob encomenda. Aquelas que se quadram à perfeição ao estilo do defunto – do bom defunto, claro, que enterro não é lavanderia de dívida antiga. Digamos um Noel Rosa. Em vez de choro e vela, não é caso de se entoar carinhosamente o samba de quem partiu batucando? Digamos um Guimarães Rosa. No lugar de sisudezas de ABL, não vem a calhar o abraço de mares e sertões a quem se derramou em infinitos e reticências? Uma bailarina: duvido que preferisse coroa fúnebre gigante a um só compasso da “Valsa das flores”. Um comediante: dificilmente trocaria, por litros de amizade lacrimosa, uma meia dúzia de risos inteiros. Um presidente pacifista: não devemos crer que quisesse ouvir ribombando uma salva de tiros. Um marinheiro de vocação: preciso esclarecer com detalhes qual caixão desejaria? Qualquer coração que ainda respire: aceitaria de bom grado, em sua ausência definitiva, o que melhor o tivesse definido ou acolhido em tempos de presença.

Aos poetas – versos e estrelas. Aos pilotos – estrelas e aves. Aos tristes – aves e versos. Aos torcedores, hinos. Aos leitores, páginas. Aos esquecidos, lápides. Aos perseguidos, silêncio. Às mães, gratidões. Aos maus, perdões. Aos filósofos, questões. Às românticas, luto rosa. Aos ecológicos, consciência verde. Aos guerreiros, honras. Aos artistas, palmas. Aos heróis, memórias. Aos perdidos, luz. Aos carentes, mais. Aos herdeiros, pais. Aos professores, paz.

Todos têm direito a partir como vieram, estiveram ou se quiseram. A morte não nos acaba.

A morte nos confirma.

Nenhum comentário: