quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Analfabetos pessoais

Leio com tristeza que a pesquisa “Juventudes na escola, sentidos e buscas: por que frequentam?”, realizada em vários estados brasileiros, levantou que quase 20% dos alunos de escola pública (entre 15 e 29 anos) “não gostariam de ter um colega de classe travesti, homossexual, transexual ou transgênero. O grupo só fica atrás de bagunceiros (41,4%) e ‘puxa-saco’ dos professores (27,8%)”.

Entendo perfeitissimamente que não se queiram colegas furdunceiros – aqueles que caotizam a sala, engolem a voz exasperada do professor, fazem o pobre teacher se perder no planejamento e na explicação, cobrem tudo com seu manto espírito de porco. Entendo igualmente que os lambedores de bota sejam desprezados, porque donos de caráter flutuante, impreciso, com tendências a xisnovear geral, plantar intriga e diferenciação. Nos dois casos (mais no primeiro), há inconveniência e prejuízo reais trazidos pelo outro. Mas de onde viria, Senhor, o dano de conviver em aula com gente de orientação sexual distinta – ou em miúdos: de onde viria o problema coletivo a partir de uma questão todinhamente individual?... A bizarrice é tanta quanto rejeitar camaradas de olho azul, ou palmeirenses, ou que preferem amarelo. Freud não explica, mas desconfia fortemente de que é um caso medieval de medo, apenas o medo velho e mau.

Qualquer preconceito o que é? medo, ora bolas. Receio, talvez, de não estar convicto da própria sexualidade e ser suscetível a um “contágio” que lhe perturbaria mais a vida. Terror de que a simples empatia se torne transferência de personalidade. Pânico de ampliar horizontes, desacomodar preguiças, desassossegar o universo mental para acolher individualidades que não tinham entrado na (sua) história. Aversão ao aprendizado (mal de aluno que quer gastar caloria só com prova), nervoso de mexer em dúvidas resvaladiças, vergonha de admitir que não somos capazes de encaixotar e arquivar gente, horror ao julgamento burro de outras antas preconceituosas (só um medíocre está à altura de escorar um medíocre), fobia ao suor de pensar, compreender e – ai, minha cabeça! – mudar. É triste, é desesperador que justamente um estudante, esse gerúndio vivo, se recuse ao único verdadeiro ato de conhecer: conceber o ser ao lado como humano umbilicalmente livre de nossa própria tabela, de nosso próprio sistema. Atingir o fato de que pessoa não cabe em decoreba, não tem macete, não tem fórmula – tem esforço de leitura, observação sincera, empenho e honestidade de interpretação. Ser humano não é de exatas. Ser humano é de várias, é de muitas, é de múltiplas, é de complexas.

Alunos amadíssimos: menos memória resignada, mais melhora autêntica. Quem tem bitola não sai da escola. 

Nenhum comentário: