sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

E já foi à Lua

Fábio aqui resmungando que o homem já foi à Lua há quase meio século e ainda não conseguiu pôr uma linguetinha decente no pacote de biscoito – uma que realmente abra o biscoito, em vez de soltar na mão dos compradores bocós. E ah! se tudo fosse a execrável lingueta, que causa a máxima tragédia de amofinar gente e espalhar farelo! Fico besta que a humanidade capaz de descobrir penicilina, inventar ar-condicionado (graças!), enfiar 20 mil quaquilhobytes de dados num troço de meio milímetro, escrever Grande sertão: veredas seja o mesmo bando de incompetentes que ainda não debelou o trabalho escravo, que no lugar do estuprador culpa a vítima, que xinga pessoas de pele ou camisa de outra cor. Sinceramente, indivíduos da espécie: todo dia cês me matam de vergonha.

O homem já lidou com a desgravidade da Lua e ainda não aprendeu leveza; arrasta um bonde diário e desnecessário nas costas, entre dúvidas facilmente perguntáveis, raivas facilmente resolvíveis, medos facilmente esclarecíveis. O homem já usou roupa de Lua e ainda não sabe que não se pode furar a proteção do outro, não entende que ele talvez dependa dessa embalagem emocional para respirar. O homem já esteve na Lua e ainda não chegou para fechar crateras ali na esquina, botar hospital para formas biológicas conhecidas, levantar escola para nossos 7 bilhões de vidas inteligentes. O homem já se exilou na Lua e ainda finge não saber como funciona o ser refugiado, rejeitado, bullyingado, marginalizado. O homem já viu a Terra da Lua e ainda não olhou direito aqui mesmo do quintal: não se convenceu suficientemente de que por cá o negócio esquenta, treme, alaga, derrete, morre a cada passo em falso. O homem já teve impulso para se lançar à Lua e ainda não tornou natural o movimento de estender mão, ceder o braço, apertar no peito, emprestar o ombro, hospedar no colo. O homem já saltitou na Lua e ainda não largou essa mania de acordar e dormir travado, trabalhar em gaiola, viver oito nove dez horas laranja-mecanicamente preso no celular, no carro, no ônibus, no computador. O homem fez foguete pra Lua e não se abala para consertar um aparelho de mamografia; estudou para ir à Lua e não encara uma droga de interpretação de texto; seguiu instruções para atingir a Lua e não se coça para pagar salário de professor; analisou material da Lua e não examina um processo antes da morte ou loucura do solicitante; plantou bandeira na Lua e não joga uma sementinha para arborizar bairro escaldante de periferia; tascou nome em regiões da Lua e não estranha que alguns terráqueos não consigam receber carta (luz, água, zelo) em seu próprio endereço. O homem alunissou bonito, mas para aterrissar não está lá essas coisas: flutua mal, cai em todo lugar feito chumbo, anda que nem besta brava, faz do objeto não identificado o judas de sua predileção.

(São Jorge, por favor: me empresta o dragão.)

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