sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Minha ternura dentuça

Ainda Manuel Bandeira – que, no hilário “Poema para Santa Rosa”, fez o eu lírico dizer à amada levemente resmungona: “Meu bem, minha ternura é um fato, mas não gosta de se mostrar:/ É dentuça e dissimulada”. À moda de Bentinho, eu não sabia o que era ternura dentuça, mas dissimulada sabia, e entrei a pensar se a minha podia se chamar assim. Concluí que sim, minha ternura é um tanto capitumente dissimulada, porém ainda mais dentuça talvez – se por “dentuça” Bandeira quis designar aquela afeição discreta e sobriazinha em público, como a menina vexada que evita o sorriso aberto e é avessa à exibição.

Definitivamente não sou do grupo dos melosos, dos que falam teletubês com o parceiro diante de plateia, dos que gritam apelidinhos dantescos ou derramamentos de carícia aos quatro ventos, dos que telefonam para dizer boa-noite, dos que entram em guerra açucarada para decidir quem desliga primeiro (por sinal, tenho ganas de fazer a cada telefone do mundo o que Julieta fez a si mesma, ao ver Romeu defuntão). Não esperem de mim, na amizade inclusive – e na irmandade, e na filhidade –, o cumprimento do velho manual I-just-called-to-say-I-love-you; uma sopa de timidez, pudor estético e alergia ao clichê me proíbe horrorizadamente. Amores, não vou ser nunca a que compra caneca “melhor pontinho pontinho pontinho do mundo”, almofada de coração, camiseta com foto ou nome de gente querida. Não vou fazer tatuagem de grupo, não vou usar metade de pingente que encaixa na metade alheia. Minha ternura gauche, dentuça e esquiva não curte ser a que se aguarda.

Gosto do que irrompe sem se aguardar, presentes sobretudo. Tenho carinho especial pelos mimos que entram na ordem do inesperado e desnecessário – que encanto tem a escolha do puramente desnecessário! Minha primaverice d’alma exige que eu cubra os amados do supérfluo, que lhes dê o que não se dariam, que os investigue e os pressinta pelas beiradas, pelas frestas. Não calha de acertar toda vez, mas me representam mais essas mostras desenjauladas e ariscas do que toda e qualquer manifestação padrão que bate ponto na catraca. Sou incatracável; amo substituir um dos beijinhos da praxe carioca pelo abraço de esmagar costela, mas me deixe sempre as mãos livres, me deixe catucar dedos, unhas e papéis à minha vontade e ao fluxo do pensamento. Amo o que pode ser escrito, o que foge ao falado, mas não me peça incluir WhatsApps porque só quero estar incógnita no meu ritmo e na minha paz. Rio-lhe com apetite das piadas realmente boas, mas não se assombre do meu afastar discreto quando emergir meu natural baldio e melancólico. Lembro datas com afeto espontâneo, mas não pasme se o enjoo da obviedade me desencorajar a mensagem no Face. Sou sim carinheira, mas não grudenta; atenta à pessoa e à conversa, mas organicamente saudosa de liberdade. Uma amorosa perpétua com vício de solidão igualmente perpétuo.

Bem-vindo o amor que se entende com as demonstrações oblíquas! Quanto menos gasto de holofote, mais energia nos fica para o que excede a visão. 

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