terça-feira, 23 de agosto de 2011

Síndrome da utilidade

Sei que não devia citá-la tanto, tanto. Aporrinhar o leitor: lá vem ela de novo com essa escritora! Mas sou baba-ovo de Martha Medeiros sim, admito. É um vício. E não resisto a outra citação, tirada da crônica “O que a dança ensina”, do Doidas e santas: “(...) vivemos num mundo onde todos se perguntam o tempo todo ‘para que serve?’. Para que serve um beijo, para que serve ler, para que serve um pôr do sol? É a síndrome da utilidade”.

Confesso que me vejo sempre em risco de derrapar na síndrome, e por isso mesmo exaltei o “just because” alguns posts atrás – o prazer da gratuidade, a alegria atordoante da ausência de motivo para coisa boa. Coisa boa não precisa de motivo, sua existência está paga com juros pelo fato de ser boa. Mas, se deixar, a gente sapeca etiqueta de preço em tudo. Preço, modo de usar, especificações técnicas. Alunos não fazem exercício para aprender a matéria: fazem porque vale ponto. Não aprendem a matéria para preparar a vida: aprendem porque cai na prova. Não escolhem Direito para mergulhar afetuosamente na carreira: escolhem porque facilita no concurso público. (Quase) não visitamos o museu para aguçar o olhar: visitamos porque aquela exposição está bombando e todo mundo já viu. Não lemos o livro para nos casar com ele: lemos porque o professor mandou, o trabalho pediu e todo mundo já leu. Compramos flores só porque a visita vai lá em casa. Comemos frutas só porque o médico vai passar exame. Mandamos duas linhas de cartão só porque é aniversário. Entregamos 50 gramas de bombom só porque é Páscoa. Damos aquele telefonema só porque é Natal. Tudo objetivo, sofrido, cronometrado, friamente calculado. Ai! se passa um minuto, dois reais, dez miligramas do previsto. Um transbordamento que é luxo de doidos.

Faça o teste. Experimente declarar que hoje, plena terça-feira, vai visitar a prima, abraçar o sobrinho, almoçar com o irmão, levar um doce para a avó, tomar um chope com o colega de escola, sair para dançar com os pais, ir à festa do cliente. Oito entre dez chances de alguém desejar esclarecimento: é aniversário? nascimento? discussão dos rumos da empresa? combinação dos vestidos das madrinhas? vai apresentar o noivo? vai entregar os convites? E os pares de olhos se arregalam por dentro quando você balança a cabeça, não, é just because, porque sim, puro afeto. Como assim, gastar dia útil com puro afeto? Onde é que nós estamos. Já não bastam sábado e domingo para as pausas de felicidade extravagante?

Bastam, se você veio ao mundo com a missão de assinar ponto. Se é um Tio Patinhas destinado a acumular uma caixa-forte de tratados, motivos, justificativas, carimbos, assinaturas, provas, ciências, teses e razões. E nadar neles, refestelado. Mas se são outros seu câmbio e sua fome, uma vida inteira de evolução, beleza e amor excessivos não chega a dar nem pro começo.

5 comentários:

Viccitor disse...

o que nos falta é sentir um pouco mais!

Rômulo disse...

FATO!
As ao chegar nas últimas linhas do seu texto e parar 10 segundo para refletir me senti bem ao perceber que não me importo com o "Porque" do que estou fazendo ,só quero fazer.
Deveríamos exercitar mais isso e o farei com frequência ,não sei por que mais vou ,rsrsrsr!

palavras ao vento disse...

interessante a postagem...refletir e pensar o melhor jeito de fazer as coisas...

Twittando disse...

Blog bem colorido! Conteudo bom , parabéns! Continue atualizando.
.
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Anônimo disse...

Uma ótima forma para abrir os olhos de alguns. O texto ficou muito bom, parabéns.

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