Montão de gente encana com a mania recém-incorporada do brasileiro de celebrar o Halloween. Montão de detratores alega que é data importada, tradição ianque, estrangeirismo inaceitável, apêndice vergonhoso de folclore, baba-ovice ridícula. Alega mesmo ser de um macabro incompatível com a realidade tupiniquim. Bobajada. Primeiro que é compatibilíssimo com a realidade tupiniquim descolar festinha extra entre Dia das Crianças e Natal – especialmente se há fantasias envolvidas. Quanto de estrago psicológico pode fazer um chapeuzito de bruxa com estrela azul? Segundo, é no mínimo historicamente nonsense exigir culturas típicas puras de contágio. Contagiar é a ideia. A good one. Misturar, emprestar, liquidificar. Ou o leitor amigo topa adotar o guarani como língua materna? Melhor: bora todo mundo papear em sânscrito. Pureza cultural rola não, gente. Evolução é a prova dos nove. Get over it.
Quanto mais não seja – para sono tranquilo dos arraigados –, o Halloween já não desembarcou americano; desceu do avião devidamente antropofagado, pra encher de orgulho nosso Oswald. Chegou em edição revista e resumida, mais farra e menos morbidez, alegrando a vida de comerciantes e cursinhos de línguas. E já que citamos morbidez, como era mesmo aquela lenda tipicamente nacional de mulher de padre que vira cavalo decapitado e sai a galope com o pescoço em chamas? Como era mesmo o lance da criatura de pés virados que pega um, pega geral na floresta (também vai pegar você)? Como eram mesmo os versos de ninar em que um boi-boi-boi-da-cara-preta ataca bebês só por terem medo de careta? Como era mesmo a história do negrinho-da-perna-só que fuma (FU-MA!) cachimbo, mesmo com aura de criança, e sai espalhando pequenas grandes maldades no entorno? Refresquem-me as ideias: não foi a esse serzito exemplar que tentaram dedicar um dia de nosso calendário patriótico? Ahã.
Convenhamos. Não são culpa do Halloween as nossas bruxas. Nem de leve. Sequer precisamos importar a atividade mais relevante do feriado americano – sair para ganhar doces ou fazer travessuras, coisa que não pegou por aqui –, por já ser e sempre ter sido uma atitude brasileiríssima. Metaforicamente falando. Quem, mais do que nós, é movido à base de toma-lá-dá-cá, ou-dá-ou-desce, me arranja isso que eu te consigo (ou não te estrago) aquilo? Que nação, mais do que a nossa, tem tamanho impulso infantil de detonar o que não serve de pronto, de depredar o que não interessa de imediato, de recusar-se a assumir 1mg de dever que não venha precedido por 25kg de direito? Quem, mais do que este nosso tanque de golfinhos gigante, só faz truque se recebe peixe? só copia a matéria se vale ponto na prova? só investiga a maracutaia se o Fantástico denuncia? só cumpre a obrigação se rola propina? só faz a inauguração se recebe voto? só vota a favor se negocia aliado? só reabre o processo se o Fantástico redenuncia? Já somos de fato, por talento, pela própria natureza, a pátria da gostosura ou travessura, a capital internacional da chantagem a céu aberto, em todos os mais criativos níveis. Não exatamente evoluímos em termos econômicos e políticos: somos empurrados pela inevitabilidade da opinião pública, pelas contrações universais. Mas achamos sempre um cantinho de feira para continuar nosso troca-troca, nosso oba-oba. Um cantinho. Que o resto do mundo não tem medo de careta.
Deixemos em paz as criancinhas, contentemente vestidas de Branca de Neve ou Harry Potter, vampiro ou Tinkerbelle. Tenhamos mais o que fazer como adultos. Discutir estratégias que nos transformem em país sem horas do espanto, por exemplo – antes que viremos abóbora.
Quanto mais não seja – para sono tranquilo dos arraigados –, o Halloween já não desembarcou americano; desceu do avião devidamente antropofagado, pra encher de orgulho nosso Oswald. Chegou em edição revista e resumida, mais farra e menos morbidez, alegrando a vida de comerciantes e cursinhos de línguas. E já que citamos morbidez, como era mesmo aquela lenda tipicamente nacional de mulher de padre que vira cavalo decapitado e sai a galope com o pescoço em chamas? Como era mesmo o lance da criatura de pés virados que pega um, pega geral na floresta (também vai pegar você)? Como eram mesmo os versos de ninar em que um boi-boi-boi-da-cara-preta ataca bebês só por terem medo de careta? Como era mesmo a história do negrinho-da-perna-só que fuma (FU-MA!) cachimbo, mesmo com aura de criança, e sai espalhando pequenas grandes maldades no entorno? Refresquem-me as ideias: não foi a esse serzito exemplar que tentaram dedicar um dia de nosso calendário patriótico? Ahã.
Convenhamos. Não são culpa do Halloween as nossas bruxas. Nem de leve. Sequer precisamos importar a atividade mais relevante do feriado americano – sair para ganhar doces ou fazer travessuras, coisa que não pegou por aqui –, por já ser e sempre ter sido uma atitude brasileiríssima. Metaforicamente falando. Quem, mais do que nós, é movido à base de toma-lá-dá-cá, ou-dá-ou-desce, me arranja isso que eu te consigo (ou não te estrago) aquilo? Que nação, mais do que a nossa, tem tamanho impulso infantil de detonar o que não serve de pronto, de depredar o que não interessa de imediato, de recusar-se a assumir 1mg de dever que não venha precedido por 25kg de direito? Quem, mais do que este nosso tanque de golfinhos gigante, só faz truque se recebe peixe? só copia a matéria se vale ponto na prova? só investiga a maracutaia se o Fantástico denuncia? só cumpre a obrigação se rola propina? só faz a inauguração se recebe voto? só vota a favor se negocia aliado? só reabre o processo se o Fantástico redenuncia? Já somos de fato, por talento, pela própria natureza, a pátria da gostosura ou travessura, a capital internacional da chantagem a céu aberto, em todos os mais criativos níveis. Não exatamente evoluímos em termos econômicos e políticos: somos empurrados pela inevitabilidade da opinião pública, pelas contrações universais. Mas achamos sempre um cantinho de feira para continuar nosso troca-troca, nosso oba-oba. Um cantinho. Que o resto do mundo não tem medo de careta.
Deixemos em paz as criancinhas, contentemente vestidas de Branca de Neve ou Harry Potter, vampiro ou Tinkerbelle. Tenhamos mais o que fazer como adultos. Discutir estratégias que nos transformem em país sem horas do espanto, por exemplo – antes que viremos abóbora.
6 comentários:
É esse dia os políticos se vestem de vampiros para chupar o sangue do povo!
Concordo com tudo... A mistura pode e deve ser uma boa saída... Sem falar de que é algo mais característico atual com toda esta era internet/interligada.
Ótimo post!
;D
doces não pq estou de dieta..
e ja fiz muitas travessuras esse fds
http://www.hrdoblush.com/
terno e gravata virou fantasia de hallowen, dias piores virão - este é o nosso lema ultimamente,
bjs
preferia gostosura
na verdade acho que já viramos abóbora! rsrs
Pois é, acredito que aqui no Brasil, todos os dias são halloween!
bjos
http://floresmaquiadas.blogspot.com/
Que texto ótimo. Esse papo de cultura dominante não rola mais na sociedade contemporânea como insistem os pseudointelectuais que se perderam no século passado, vivemos num mundo globalizado, multicultural e de trocas simbólicas. Comemorar o halloween no Brasil está se tornando comum, e eu particularmente não vejo como ameaça a nossa cultura folclórica. tem até características bem brasileiras. Assuntos mais importantes é que devem merecer nossa atenção. Sua crítica foi bem fundamentada, é bem por aí mesmo que as coisas funcionam.
abraço,
www.todososouvidos.blogspot.com
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