Neste doido planeta em que há dia de tudo, é claro que não podia deixar de haver um só para ele. Ei-lo: hoje é o Dia do Blog. Dia dos nossos respiros tão imediatamente tornados letras, dia das nossas misturinhas de projeto com amigo imaginário, dia desses desafogos verbais que tossimos no mundo. Nós que fizemos um diário em forma de morango na infância, nós que o encharcamos e trancamos na adolescência –, nós vimos a voz crescer e não caber mais nas antigas roupas. Não caber mais nas antigas chaves. E agora dependemos desses gritos destrancados, despudorados e públicos que nossas ilhas lançam periodicamente no marzão internauta. Dependemos dos sopros transportados pela versão imaterial das garrafinhas. Já tem até nome simpático essa nova camada de ar que respiramos: blogosfera.
Blogar é uma digitação em voz alta, pensamento em vapor. Para o mal e para o bem, já não sabemos ter dúvidas, bravezas, contentamentos, primeiros dias, primeiras vezes, primeiros beijos sem transpirar o coração para quem estiver online. É a realização – pensada e escolhida – da fantasia mais pervertidinha do escrevedor de diário: ser arrancado da intimidade na marra, ser descoberto, ser lido. Sonhamos a chegada dos invasores, ansiamos pela colonização do outro. Por um lado é atitude feliz; cansamos dos martírios em silêncio, das celas particulares, e buscamos no colo do leitor um comentário que traga sol, leite e mel à nossa terra de desolação. Mas também desaprendemos a delicadeza do silêncio, substituímos o resguardo pela febre de conexão. Tudo é (di)visível, tudo é notório, tudo é público e publicável. Tolamente confundimos introversão com tristeza, respeito próprio com hipocrisia, e acabamos na neurose de virar um bando de confessadores compulsivos. Blogs podem se tornar diarreias de intimidade.
E quanto mais mergulhamos nessa incontinência, menos disponíveis ficamos para ser colo e ouvidos necessários. Quanto mais escrevemos, menos lemos. Quanto mais nos mostramos, menos desvendamos. Quanto mais nos enamoramos de nós, menos contemplamos. Estão aí, para provar, os comentários que se fazem nas coxas, sem carinho, cuidado ou preliminares – quase uma prostituição mecânica dos olhos, repetição automática para ganhar o bônus de outro comentário automático. Rabiscamos um “legal”, um “ótimo blog”, um “parabéns” e voamos apressados para o próximo cliente.
Blogs são um tudo, um muito. Só não podem nos transformar em multidão de monólogos.