quarta-feira, 27 de junho de 2012

Amigos do rei

Sabe a história do “rei na barriga”? Precisa ir longe não. É entrar numa sala de aula do município e a coisa está lá, exatinha. Teoricamente dá gosto de ver: no início do ano os pimpolhos ganham uniforme novito, estalando de fresco; ganham kit cheio do tudo-e-mais-um-pouco usado em sala – cadernos de capa dura pautados, caderno de desenho, lápis normal e de cor, caneta, borracha, apontador, o escambau a quatro; ganham também mochila direitinha, azul, sem nada que possa ferir esteticamente os mais suscetíveis. Já houve, além disso, determinadas séries presenteadas com calculadoras. Já levaram pra casa gordos dicionários oficiais da ABL. Todo ano lhes são entregues livros didáticos, todo bimestre vêm apostilas de cada matéria. Não bastassem os bônus, recebem (como de direito) merenda boa e quente, cujo feitio invade de perfumes temperados o horário de aula. Vai daí o leitor romântico suspira uma esperançazinha, acometido de polianice em estado terminal: “Estão no melhor dos mundos”.

... E eu vos direi, no entanto, que não termina em happy-end o casamento entre alunos e benesses. Lembra os cadernos? são odientos aos jovens donos, por terem capa institucional (“feia, professora”), e não raro acabam depenados em guerrinhas de papel e desperdício. Apostilas são negligentemente esquecidas nas carteiras. Blusas de uniforme, já as houve encontradas em forma de bola, destruídas, espezinhadas, abandonadas num vaso sanitário. Mochilas são oferecidas com desdém ao primeiro que passe, assim que recebidas (“Quer para você, professora?”). A comida tão desgordurosa, saudável e viçosamente feita vira caso de nariz torcido (“Aaaaai, você almoça mesmo na escola, professora?!”). Tudo que lhes venha em tom de oferta coletiva, com jeito de benefício generalizado e não selado pelo glamour do individual, ganha tremendo muxoxo. Preferem não ter a partilhar com o mundo sequer a ideia de uma carência. Recusam por soberba aquilo que, em faltando, exigiriam com indignação.

Note-se que não falamos de alunos tão miseráveis que pudessem estar desabafando revolta, nem tão de classe média que estivessem em condições de esnobar o auxílio oferecido. Corre simplesmente um vento de desprezo orgulhoso, uma vaziez de valores que posa bonitinha como revolução consciente. Não há critério, reflexão nem política na recusa: há o deboche de quem se sabe respaldado pelos Errejotatevês e a cegueira de não considerar oportunidade como recurso que se esgota. Há a pressão social de “não precisar de esmola” (é o que muitas vezes alegam, numa careta de marrentice); há a percepção invertida de brio – em vez de se mostrar dignidade sendo grato ao recebido e multiplicando-o, boicota-se a si mesmo, proibindo-se qualquer ajuda. Há o constrangimento supremo de gostar do que se tem, como se esse hábito vexatório expulsasse necessariamente a vaga do que se quer.

Abaixo o efeito estufa, o quentume da arrogância abafada. Viva cada degrauzinho que me leve mais ligeiro até uma boa Pasárgada.

À cama que eu (finalmente) escolherei.

Um comentário:

OGROLÂNDIA disse...

Bando de menino resmungão!
Desce a mão na oreia deles, Fernanda!
Beijogro