É a senha. Não, ele não está (desaforado) pedindo permissão para ouvir música na sala: é seu jeitinho brasileiro, malandramente indireto, de informar que alguém está ouvindo música na sala. E, portanto, ele também quer seu quinhão. Não denuncia por amor ao certo, denuncia por desejar convite para a festinha do errado.
Já viram? lá pelos onze, doze anos, há um gozo supremo em delatar pequenas falcatruas, especialmente de colegas de classe. Está colando, está com o fone no ouvido, está jogando bolinha de papel, está jogando no celular, está mandando torpedo no meio da aula. Para não dar tanto as caras como caguete, o aluno terceiriza a denúncia em dúvidas vagas – pode colar? pode ficar com o fone no ouvido? –, das quais só consegue sair ganhando: ou o professor permite a todos a contravenção, ou acaba com o prazer do jovem meliante, o que parece ao delator igualmente delicioso. Não importa que os professores digamos não gostar de fofocas e caguetices. Na aula seguinte, pode crer: o rebelde enrustido continuará de falso secretário, exterminando por tabela os privilégios que cobiça.
Já adultos, finalmente convencidos a evitar a pecha de xisnoves, levamos a coisa a ferro e fogo. Antes delatávamos por inveja covarde; agora não delatamos por covardia indiferente. Menor distância nos separava de ouvir música durante a prova do que de obter propinas gordas. Estávamos mais próximos de participar do joguinho em sala do que das negociatas no ministério. Queríamos matar aulas, mas (por felicidade) não queremos matar transeuntes. Queríamos pegar o estojo novinho, mas não queremos roubar a loja. Quanto mais quilômetros entre denunciantes e denunciáveis, menos semelhança entre privilégios possíveis. Calamos, então. Nem sempre por medo. Calamos por preguiça de comprar brigas alheias, por desmotivação de desviar o próprio itinerário, por falta de tempo para o público em prol do particular. Calamos por dar de ombros. Calamos por falsa esperança de que outro não se cale. Calamos porque o filho está esperando na porta do colégio, porque o bolo está esperando no forno. Calamos porque, invertidamente, caiu-nos a ficha guardada para os tempos de escola: aquilo não nos diz respeito. Calamos porque não disputamos, porque não cobiçamos. O que os olhos não querem, a boca não conta.
Conforme já tuitava Millôr: este não é um país solidário. É um país conivente.
7 comentários:
Mais e mais eu percebo que isso não é só Brasil não, outro erro nosso é achar que esse comportamento fica restrito a nossa fronteira. O mundo todo está vivendo em apatia, é preciso um choque grande pra nos fazer acordar e perceber as doenças da sociedade. Veja Londres, por exemplo, que vivia até ontem com medo do terrorismo do oriente, e viu o horror crescer de suas próprias entranhas final de semana passado.
Ótimo texto, me avise quanto tiver outro!
Preferimos ficar cegos para certas coisas porque é mais cômodo. Abrir os olhos, como já sugeriu Saramago, resulta em ter de assumir nossa parcela de responsabilidade pelas coisas que virmos.
Seu texto estã sensacional, muito bem trabalhado, me passou a mensagem que devemos agir ao invez de ficar " a espera de um milagre" (otimo trocadilho, não acha?) Vivemos em um pais onde se cobram mais de jogadores de futebol que políticos que deveriam cuidar do pais. Vou seguir seu blog.
http://humor-sem-graca.blogspot.com/
Agradeço por visitar meu blog, e em resposta digo que o texto que você comentou 'Uma estória real 3 a loucura continua'É uma continuação, teve o primeiro o segundo esse terceiro, e eu fiz o texto 4 que eu ainda não postei. Desde já agradeço a visita, e parabéns pelo blog.
concordo com tudo
é a famosa comodidade latina, o famosojeitinho brasileiro, isso não é bom, é injustiça, é desonestidade, mas faz parte da nossa arte.
ótima postagem!
\tô aki retribuindo comentário, mto obrigada, pessoas como vc são a essência para a existência do meu blog
http://diariodagarotadevariasfaces.blogspot.com
sigo quem me segue e retribuo comentários
Amei esse post vemos tantas irregularidades que simplesmente cruzamos os braços e ficamos quietos não falamos e sendo assim.. eo Brasil esta do jeito que esta.
Sempre estamos calados diante de tanta corrupção.
É, um prazer esta aqui um blog que eu comento com muito prazer
Falta força de vontade, falta coragem, falta agarrar tais situações com unhas e dentes por um país melhor, por um mundo melhor!
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