sábado, 6 de agosto de 2011

Da injustiça dos justos

Professores grevistas foram à minha escola estadual conscientizar os alunos sobre a justeza da paralisação. Educadissimamente, pediram para entrar nas salas e explicaram, com paixão e motivos, os problemas de docentes e demais funcionários da rede. Deram show de sociologia e os alunos aderiram, comovidos. Muito bem. Lá pelas tantas, percebeu-se que uma representante da coordenadoria estava presente. Não entrara incógnita: tinha-se identificado para alguns dos grevistas. Também não fez qualquer pressão sobre o grupo, não desmentiu o discurso nem foi deselegante. Pouco interessava. Assim que todos os professores ficaram cientes de sua presença, formou-se o partido do “expulsa”. Já inflamados pelo conteúdo das reivindicações, tentaram tirá-la da sala aos berros de “Você é Sérgio Cabral!”, “Vocês já têm a Rede Globo para dar seu recado!”. Clima barulhento e feio. O que era ferro se quebrou. Toda a razão do discurso inicial derreteu no ralo tão logo se começou a dar tapas de gritos em quem não erguera a voz.

Assim somos: tão justos, tão apaixonadamente justos que moramos na esquina da injustiça. Tão cegamente balofos da verdade que um qualquer olhar torto nos estoura. Tão embriagados de consciência que vendemos por ela o resto d’alma. Tão enamorados de certezas, tão repletos de direitos, tão sábios, tão lúcidos, tão críticos, tão iluminados que somos um perigo. Por amor destemperado às convicções, por urgência fanática de defendê-las, por fissura nas causas incontestáveis, por vontade alucinada, por bondade excessivíssima, somos maus fronteiriços. A muita coragem nos acovarda, a perfeita audição nos ensurdece, o tanto de hematomas nos ergue o braço. As excelentes intenções formam guerrilhas e Darth Vaders. As necessidades de combate tecem bombas atômicas (hoje a de Hiroshima aniversaria). Prisioneiros de mouros, feridos por infiéis, escaldados, sofridos, aprendemos a andar de lança em punho. Tudo ou nada. Live or let die. Encouraçamo-nos, maniqueistizamo-nos. De injustiçados a injusticeiros é um pulo.

Nada como o campo de batalha para nos fazer iguais aos inimigos.

9 comentários:

Lucas Adonai disse...

Gostei do texto.
Muito intenso!

Italo Stauffenberg disse...

ótimo texto!
parabéns!
devemos sempre expressar seja de qual forma for os nossos sentimentos e repúdios!

http://manuscritoperdido.blogspot.com/

kbritovb disse...

ótimo texto
e num preciso nem falar que os professores merecem mesmo receber um salário mais decente

Anônimo disse...

Texto realmente muito incrível e profundo! Impressionante
http://fearless-girls.blogspot.com/

Angélica Nunes disse...

Credo! Depois dizem que barraqueiro é pobre e iguinorante.. XD

D+ a tua reflexão!

Kelly Christi disse...

esse tipo de comportamento é comum na greve por causa da força sindical e etc, que também já fez sentido um dia, como a greve, mas hj. nada mais faz, tudo banalizado, infelizmente.

Unknown disse...

gostei muito do texto parabéns pelo blog

http://bestfakesnet.blogspot.com/

Lillo G. disse...

SUAS PALAVRAS SÃO VERDADEIRAS ARMAS MINHA QUERIDA FERNANDA. NÃO SEI SE VC É ALUNA OU PROFESSORA DESSA ESCOLA, MAS CONTINUE NESSE RITMO. VC ESTÁ INDO BEM.


http://thebigdogtales.blogspot.com/2011/08/minha-vontade.html

Millena disse...

O seu blog é excelente e bem escrito!