domingo, 28 de agosto de 2011

Não resisti

Normalmente essa frase vem precedida de um “desculpe”. Problema nenhum, se o cidadão “não resistiu” a comprar um buquê formidavelmente vermelho para a amada, um pingentinho de pérola, uma lingerie impublicável, um pote da geleia preferida. Ou uma qualquer bobagice que até se paga para oferecer, de tanta vergonha: um adesivo besteiroso, um filme B sujaço, um anel garimpado na 1,99 da esquina. Por muito caro ou muito barato, por excêntrico ou ridículo, por hiperbólico ou minimalista, o presente foi um pecadilho que subiu à cabeça: desculpe, não resisti. E quem queria que resistisse? Desculpamos, sim, desculpamos, só fingimos não desculpar antes de um desembrulhar de pacote e de uma bronca feliz. Seu doido, sua doida, para quê, que tolice, onde é que vou usar? (segue-se avalanche de indignações e beijos perdoantes).

Mas há o “não resisti” que não acompanha travessuras nem termina a guerra sem baixas. Há o “não resisti” que cinicamente explode após a traição consumada (e descoberta), o que chora crocodilos por causa do furto imprevisto, o que desenrola histórias de amor e sofrimento diante da fraude cometida, da deslealdade comprovada, da ofensa, do engano, do engodo, da covardia, da malícia que não foram – é claro que não foram – por má intenção. Imagine se alguma maldadezinha (ou zona) é de propósito. Nada: tudo fruto daquele impulso sobre-humano, daquela possessão descontrolada que nos exime de culpa.

Nenhum “não resisti” nos exime de culpa. Ao contrário, confessa-a. Nós só “não resistimos” a uma decisão já tomada. Dizer que não resistimos traduz-se em: tivemos vontade – vontade muito nossa, inteiramente nossa – e não movemos uma palha para lutar contra ela. Chegamos à bordinha do precipício e, sem violências nem empurrões, nos entregamos à queda enamorados da escolha. Eis a palavra do dia – escolha. Não resistimos: quisemos. Não resistimos: sequer tentamos. Não resistimos: erguemos um altar e uma prece ao nosso desejo, divindade dos egoístas, bode expiatório dos fracos, ídolo das ratazanas, constituição dos que integram a comunidade do eu-sozinho.

Não resistimos a espalhar uma fofoca, o fofocado não resiste a arranhar nosso carro. Não resistimos a contar uma piadinha racista, o insultado não resiste a xingar nossa genitora. Não resistimos a espiar pela fechadura do vizinho, ele não resiste a abrir nossa correspondência. Não resistimos a trair, alguém não resiste a nos fazer traídos. Ooops, lá vamos nós. We did it again. Tão frágeis de princípios, tão quebradiços de convicções, tão dobráveis, tão suscetíveis que qualquer sopro de oportunidade nos carrega, qualquer vislumbre de vantagem nos compra, qualquer lasca de benefício nos seduz. Não faz mal, basta a expressãozinha de maior abandonado, o sorrisinho maroto, o olhar de moleque, não resisti. Resistiremos bravamente (prometemos!) até raiar a aurora do próximo crime.

A não ser que haja aquele que “não resista” antes de nós. Estará desculpado. Será um simples, um outro guerreiro combatendo pela independência dos estados unidos de si mesmo.

10 comentários:

Anônimo disse...

É, não resisti é horrível! http://apaixonadasporcosmeticos.blogspot.com/
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@Ap_Cosmeticos

Lucas Yamashita disse...

Não resisti em comentar no seu blog,mas que texto em parabens ;)
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dê uma visitada no meu :)http://euaparatodosetodas.blogspot.com/

Tayná Barrack disse...

Resistir é um grande desafio para mim, não resisto a muitaaas coisas, é tenso. Amei seu blog, seguindo ;)
http://taynabarrack.blogspot.com/

Sandro Mangueirense disse...

Nem sempre o "não resisti" é algo de todo ruim... Muitas vezes, é um ato de coragem, e que nos permite vivenciar questões que a timidez, por exemplo, nos impede. De forma geral, eu gosto do "não resisti".

Um abraço

http://estacaoprimeiradosamba.blogspot.com/

Vitória Lovat disse...

Não resistir é um baita abre-portas durante a vida. Ótimo texto.

http://prosaemfoco.blogspot.com/

... disse...

Muito bom o texto!Olha que eu me vesti varias vezes com alguns exemplos desses " não resisti"
Abraços.

Marcelle Gália (Celle) disse...

amiga, o "não resisti" deveria ser proibido como justificativa se não houvesse garantia de final feliz.

Du Santana disse...

Não resisti é um sinonimo de não tentar... Fiquei assombrado com esse pensamento que me veio à cabeça ao ler seu texto! Em alguns casos a resistência poderia ser a única opção, e então nesse caso o resistir é que seria não tentar...

ainda bem que existe a opção do perdoar e ser perdoado, como vc falou! ^^

Fiquei surpreso (de forma feliz) com o seu comentário lá no blog semana passada. A sensibilidade é a verdadeira força, mesmo que o mundo diga o contrário.

Fique com Deus!

Franciele Valadão disse...

Oii Fernanda!Obrigado pelo carinho e atenção.

Mande-me um e-mail, que eu lhe digo o valor .. Francielesd@hotmail.com

Att, Franciele Valadão.
www.coracaonomade.com

Joice Kelly disse...

E verdade, tem gente que nao tem um pingo de consideracao, e nao pensa bem no que faz, depois que percebe que fez besteira vai e pede desculpas mas as vezes nao da pra perdoar... eu tbm nao sou perfeita e nao posso ficar julgando os motivos dos outros ne... mas e complicado..