quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Vida e obra

Outra de minhas colegas de trabalho voltou (invejinha!) de um tour pela Europa: França, Bélgica e aonde mais os carros alugados podiam levar. Foi ao Louvre?, eu quis saber. Inevitável: ela tinha ido ao Louvre. Mas só vira a Mona Lisa de longe, muito longe, completou. “Um pedacinho de quadro assim” – mostrou a altura de três ou quatro palmos – “atráááás do vidro, e uma multidão na frente, se acotovelando. Desisti. Acenei do meu lugar, tchau, Mona Lisa!, e fui ver outras obras menos badaladas, igualmente importantes.”

Nada mais ilustrativo de uma entrevista que me impressionou há semanas e fatalmente recordei. Ilustrativo por comparação. No blog Duo Postal, o artista plástico e designer gráfico Denílson Baniwa, nascido e educado na aldeia de Baturité, comentava a respeito de suas primeiras referências: “Na vida indígena a arte é cotidiana. Música, danças, esculturas, pinturas representativas, confecção de utensílios e trabalhos manuais são coisas do dia a dia. Quando tive a oportunidade de conhecer o sentido de arte, a aura de uma tela ou escultura, percebi que muito daquilo que se fala nas escolas eu já tinha aprendido na vivência indígena”.

O coração esfarelou-se. Vergonha. Vergonha por nós, crescidos em outra e tão menos civilizada aldeia. Vergonha por nós que ensinamos: arte purinha é coisa de maternal, de infância ainda inábil para geografias e cálculos, que por isso gasta o tempão excedente entre pinturas a dedo, gizes de cera, lápis de cor, colas, tesouras, lantejoulas, purpurinas, massinhas. Estaria muito bem essa formação artística, se não sumisse de nós assim que os professores consideram nosso dedo suficientemente gordinho e decretam: hora de ir ao que interessa. Saem mosaicos, entram matemáticas, entram sintaxes, saem dobraduras. Arte vira desocupação, carga extra, supérfluo, eletiva, sobremesa. Um bibelô na vida. Um penduricalho do cotidiano. Uma tia que se visita (olhe lá) na véspera do Natal. Não se encaixa em nós, não nos encaixamos nela. Espanamos obras para os becos; outras, escolhemos para os altares. Varremos para feirinhas de artesanato ou promovemos ao Louvre. Desde que não fiquem no caminho. Desprezamos, ajoelhamos; não tropeçamos. Não abraçamos.

Quando corais forem feijão-com-arroz de colégio e não projeto “Amigos da Escola”, quando pré-vestibulandos (ou enenzandos) seguirem pro curso com livro de Química num ombro e violão no outro, quando a gente sair da praia e esticar o papo no MAM, quando filhos e colegas tratarem Da Vinci de “Léo” e Beethoven de “Lud”, eu desenterro minha cabeça, destranco a matrícula e volto à humanidade. Desculpe a vergonha que eu passei.

9 comentários:

Bruno Coriolano disse...

otimo


http://mochileiro-das-galaxias.blogspot.com/

Anderson Leite disse...

gostei do texto e da figura de cima
^^


http://ministerioartecomdeus.blogspot.com/

André Narciso disse...

Eu gostaria de ir ao Louvre,más deixamos para o futuro.xD

Carol disse...

lendo seus textos agora, eu lembrei dos ultimos textos da revista capricho. Parece muito. vc deveria escrever pra lá!

Joice Cordeiro disse...

Parabéns pelo blog...
Se puder dá uma passadinha no meu ? http://devaneiodeumaadolescente.blogspot.com/

Mau mau O terrivel disse...

meu sabe quando alguém escreve e vc imagina toda cena esse é o tipo de texto bacana

http://traumapostraumatico.blogspot.com/

Seu Silva, o zelador fiel. disse...

MUITO BOM ESSE TEXTO FERNANDA. REALMENTE É UMA VERGONHA APRENDERMOS TÃO POUCO SOBRE NOSSAS CULTURAS INDÍGENAS E MUITO SOBRE NADA.
ESSE ANO VOU COMEÇAR A DAR AULAS DE ARTE, E CERTAMENTE VOU COMEÇAR PELA ARTE INDÍGENA. ABRAÇOS.

TEM POSTAGEM NOVA NO MEU BLOG. PASSA LÁ:
http://ozeladorfiel.blogspot.com/

paradigmas universal disse...

vc refletiu a genética da guerra, agora nao lute..

Duo Postal disse...

Obrigado por mencionar o blog Duo Postal em seu post. Sugerimos que você nos siga e fique por dentro de mais novidades.

http://duo-postal.blogspot.com