quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Amigos de infância

Banheiro de shopping. Experimente fazer um comentário sobre os azulejos, a moldura do espelho, o raio do papel-toalha que sempre falta. 1 real de aposta: a senhorinha (ou mocinha) ao lado responderá com duas ou três frases, enxugará as mãos sorridente (na calça jeans, por causa do raio do papel-toalha que sempre falta) e lançará um “tchau!” ao sair. Se não emendar um “bom dia pra você”, um “tudo de bom” ou semelhantes. É batata. Em qualquer horário, em qualquer lugar: brasileiro que fica 15 segundos e 6 palavras perto de outro já é íntimo, está atado, comprometeu-se; tem, inclusive, a recém-aparecida obrigação de se despedir com afeto e alegria. Para o bem e para o mal, carregamos o vício da amizade instantânea.

Pessoas tímidas como euzita sofrem um pouco com essa etiqueta do acaso. Tenho vergonha de dizer e de não dizer tchau para os amigos de ocasião, especialmente se não iniciei a sessão interativa. Se iniciei, está claro: manda a boa educação que pelo menos um “obrigada, boa tarde” encerre a conversa. Mas se eu jazia na santa paz, um cidadão me abordou e vou saltar do ônibus antes dele, eis-me constrangida. Acabo grunhindo um qualquer “até logo” antes de me pirulitar.

Há dias, sim, de maior boa vontade social, de participação mais condescendente nesta nossa eterna festa de cordialidade. Geralmente, porém, se circulo sozinha, pasme: quero estar sozinha. Não que eu seja – já disse que não sou – antipática e azeda; fico apenas vexada com os sorrisos amarelos que acabo forçada a distribuir. Sem ressentimentos. Lamento mais pelos outros, que precisam lidar com a minha sem-jeitice, do que por mim. Sai no prejuízo é quem se aproxima na esperança de uma prosa de comadres.

O que de fato me aborrece é a verborreia. O derramamento verbal não solicitado. A promiscuidade de confidências. Por que, meu São Crispim, eu pareço interessada em saber que o filho da vizinha de assento está com uma verruga dentro do ouvido? Por que a moça da loja me acha digna de acompanhar seus problemas matrimoniais? O que me dá cara de ouvidora de biografias, receptora de currículos, psicóloga de desconhecidos, conhecedora de hemorroidas? Outro dia foi no táxi: eu tentava docemente ler uma crônica da Martha enquanto o motorista, zero de tato e cerimônia, me punha a par de suas taxas de colesterol, suas considerações a respeito da caminhada, sua pretensão de retomar os exercícios. Nem respirava. Um serial talker. Polidíssima, dei respostas curtas para desencorajar a metralhadora giratória, mantive o livro bem à vista. Funcionou? Tanto quanto funciona pedir clemência a um serial killer. Só parou o bombardeio quando saí das linhas inimigas. Mereço.

Justiça seja feita: na maior parte das vezes, manter-me educadamente silenciosa é o bastante para que evitem me impor um diálogo (ou monólogo). Mas há desonrosas exceções, como o taxista gamado em sua própria voz e ideias. A esses, uma recomendação. Resguardo não é desfeita, sossego não é tristeza, timidez não é azedume. Antes de captar um interlocutor à sua revelia, convém ter certeza de que não somos o chato segurando vela. O quietinho pode estar simplesmente fazendo amor com o silêncio, em plena luz do dia.

2 comentários:

Elaine Bandeira disse...

em algumas situações é melhor ficarmos calados!

adorei o texto!

bjos

http://floresmaquiadas.blogspot.com/

Unknown disse...

o silêncio é divino, as palavras são mundanas! lindo post!
blogestarcomvoce.blogspot.com (novo post)