segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Com quem gastar

Sabe em que época do ano eu mais queria ser milionária de tempo e dinheiro? Em todas, claro – mas principalmente entre setembro e outubro, quando o Festival do Rio desembarca na cidade. Filme que não acaba mais. E vontade que não acaba mais de mandar o trabalho às favas, pedir empréstimo ao FMI e entrar em regime de internato: manhã, tarde e noite caçando pérolas (ou bizarrices) da cinematografia mundial. Aí acordo, tiro o pijama de Cinderela e me dou por satisfeita com os dois ou três títulos que consigo enfiar na agenda. Olhe lá.

Um dos que consegui enfiar na agenda foi o canadense Oliver Sherman – uma vida em conflito. Narra a história de um veterano de guerra que, sete anos depois de sair da guerra em questão, ainda está perdidaço no mundo real. Sem saber o que fazer da vida, vai visitar um amigo casado, estabelecido, duplamente pai, tranquilo, feliz. Mais não digo. Só digo uma declaração feita pelo amigo visitado, que, ao justificar por que tinha resolvido se unir à sua esposa, alegou ter sido amor à primeira vista, e completou com (mais ou menos) estas palavras: “Percebi que ela era a pessoa com quem eu queria gastar todo o dinheiro que juntei, toda a experiência que acumulei, todo o amor que eu poderia ser capaz de sentir”.

Ponto de vista interessantíssimo. Afinal de contas, a quem amamos? Aquele(a) com quem nos sentimos dispostos a gastar. A nos gastar. Podemos ter uma atração ferrada por milhares de seres ao longo da vida, mas em geral com pé atrás: não sei não, acho que ele/ela não vale a tarde de compras perdida com as amigas, o futiba com a galera trocado pela ida ao teatro, o nervoso da visita à sogra, a marcação cerrada do sogro, a mudança de turno, a mudança de hábito, a mudança de cidade. Se é esse o pensamento, sinal vermelho. Óbvio que não pretendo definir a relação a dois como catatau de perrengues e renúncias. Mas que é uma livre escolha de nosso próprio cárcere, lá isso é. Amar é descobrir a corrente que não nos pesa, a algema que não nos aperta, o desgaste que não nos importuna. Amar é escolher nossa modalidade de esporte radical.

Perceber qual felicidade compensa nossos esforços de adotar um visual diferente. Qual investimento gera mais lucro emocional após as teimosas aplicações de jantares à luz de velas, receitas de massa ao pesto, finais de campeonato no Engenhão, cachorrões de pelúcia, corações de pelúcia, 15 sessões no terapeuta, 15 centímetros no salto, 238 sacolas carregadas no shopping, 327 cremes no banheiro. Dar suor e sangue com tranquilidade de anestesia, mergulhar em manias alheias com fôlego de escafandrista, ceder as próprias horas ao lazer do outro, ao prazer do outro, ao querer do outro – tem melhor retrato do afamado amor? Como dizia o padre do curso de noivos, é o sacrifício não do “sofrer”, mas do “tornar sagrado”, para colher o termo pela raiz.

Amor é tudo que nos sobra depois que nos doamos em vida, é nosso patrimônio após nos colocarmos em testamento, a medalha impalpável de tantas maratonas. Impalpável, imponderável. Para os menos amantes, invisível. Para os mais, exatamente o bastante. Amor acaba sendo adivinhar o inquilino que vai, molinho molinho, nos alugar fiado.

E de quem nos lembraremos de não cobrar.

11 comentários:

lais dorea disse...

aa como eu queria ser ricaaa kkkk
quer dizer me contendo com oq tenho... ou não.kkkk
Sigo, quem me seguir. ( é só avisar)
http://laydorea15.blogspot.com/

Bruno Costa disse...

Também gostaria de ser rico durante o festival. Vou procurar esse que você indicou. No mais, não acredito no amor, esse substantivo do qual podemos falar, ainda que belamente, é descartável tanto como o amor é fugaz. Acho que amar é o que interessa, e como todo verbo, encontra sua força ao ser conjugado.
Bom festival pra gente!

Paula disse...

eu gostaria de ser rica em tantas épocas, mas a do rock in rio com certeza estaria no topo, queria muito ter ido.

Sammy Taylor disse...

quem não queria ser rico???
http://dicasdasammy.blogspot.com/2011/10/hmmm-delicia.html

Raquel disse...

Rico todos nos queremos ser, mas Deus nos dá sempre aquilo que é necessario ;D Gostei do seu blog, parabéns
http://www.noindoevindodoinfnito.com/

Elaine Bandeira disse...

ai ai... também queria ser rica em muitas épocas!

esse festival de filmes deve ser muito bom!

bjo

http://floresmaquiadas.blogspot.com/

Diva Déa disse...

Lindo texto!!
"A algema que não aperta" é a metáfora perfeita para definir o amor...
Você está escrevendo cada vez mehor, amiga. Devia reunir seus textos em um livro!
Parabéns!

Bjsssssssssss.

Maíra Cintra disse...

Na verdade dinheiro resolve muitos problemas e nos alivia bastante. Mas se vc não estiver bem consigo mesma, mesmo sendo o maior milionário do mundo, vc não será feliz!
Parabéns pelo blog!
mairacintra.blogspot.com

Fernando disse...

Fazia um tempinho que eu não vinha no Lugarzito, e olhe só, chará, que belo texto temos aqui. Amar é gastar-se, nunca havia ouvido essa definição, e que definicão!! Se não vale a pena abrir mão da tarde de compras com as amigas ou o do bom e velho futebol com a galera ou até mesmo o temível encontro com sogro(a), não é amor mesmo. O paradoxo da corrente que não pesa e algema que não aperta foi perfeito. Só mesmo um sentimento tão "anestesiador" poderia nos elevar a esse patamar.

Anônimo disse...

belo texto. parece que as pessoas tem um pouco de medo de falar em dinheiro
mas é a pura verdade, gastamos dinheiro como comemos ou fazemos outras coisas diárias.
já fazia tempo que não visitava o Luarzito, e estou bem feliz por cada vez que eu venho aqui estar melhor.

siga: www.ilovetubes.blogspot.com
meu twitter: @ilovetubes
beeeeijos

Unknown disse...

O mais importante é ser rica de amor (em todos os sentidos), dinheiro é bom mas não compra amor real ;)

www.mais1km.com