Ontem escrevi sobre nossas anestesias, as pequenas mortes, e agora acabo de saber de uma grande. Faleceu um amigo da família; não íntimo, não antigo – mesmo assim, a garganta deu um nó (de escoteiro). A diabete negligenciada o pegou literalmente pelo pé, tirou-lhe a base e engatinhou até o coração, que, embora jovem no físico e grande no gesto, não resistiu. Bom até o cúmulo, Celso morreu por transbordamento negativo de açúcar.
Ignoro se há estudos a respeito, mas não é incomum que pessoas generosas ao extremo sejam desleixadas consigo mesmas em igual proporção. Parecem crer numa bondade ciumenta de sua entrega exclusiva; num tempo que se extinguirá, punitivo, caso não vire uma oferenda permanente de autoesquecimento. É a vaidade às avessas: na (justa) paixão pela carreira de anjos, varrem para baixo do tapete as fraquezinhas humanas. Não desejam a onipotência por acreditarem, risonha e tacitamente, que em alguma medida já a possuem. Uma espécie de licença especial de suspensão do corpo, dada aos que trabalham no departamento do coração excessivo.
É significativa, a diabete. Morre-se de muita doçura. Morre-se de inocência. Morre-se por não se acreditar que coisas boas em si podem ter efeitos ruins, morre-se pela convicção infantil de que alegria e energia são isentas de impostos, morre-se pela impressão fofinha de que momentos coloridos escapam ao setor da responsabilidade. Com exceção dos doentes sem acesso a esclarecimentos, morre-se de ingenuidade incontrolável. De otimismo inconveniente. De contentamento indevido. Morre-se porque viver as delícias da humanidade sem pagar tributo a suas imperfeições, porque não dar a César o que é de César – à terra o que é da terra, ao organismo o que é do organismo – vira abandono de emprego, renúncia à nossa condição. Por muito amá-la.
Morremos, tantas vezes, por nos esquecermos de ser eficientemente mortais. Suscetivelmente mortais. Apaixonados menos pelas pulsões, mais pelas escolhas. Menos pelos impulsos e mais pelas decisões. Morremos por não nos lembrarmos da morte. Por considerarmos possível que ela concorde em não se lembrar de nós.
7 comentários:
Nossa, o último paragráfo (principalmente) é ótimo... realmente, morrer é bem mais que deixar de existir!
Diogopensamentos.blogspot.com
belo texto...muito bem escrito...
sobre meu texto...fiz ele...musicado...de principio...ate...
Bacana gostei do blog, vou te seguir
So sad.
Que a existência dele tenha deixado bons rastros.
NOSSA NANDA... QUE TRISTE.MEUS PÊSAMES
DEPOIS DE LER O COMENTÁRIO,PASSA LÁ:
http://thebigdogtales.blogspot.com/2011/10/expira-inspira-expira-inspira.html
Nossa, me emocionei profundamente com seu post. Tenho diabetes desde dos noves anos, sei que existe doenças muito piores mas ser diabético não é muito fácil, tomar insulina todos os dias, controlar toda hora e não só doces que aumentam TUDO aumenta inclusive estresse.. Então é bem complexo, mesmo que minha saída para não me abater seja espalhar "minha doçura" ta sendo dificil manter um controle sobre tudo, mas continuo seguindo e persistindo :)
Enfim vim no seu blog mais para agradecer sua visita e comentário no meu cantinho, acabei me emocionando e desabafo um pouco. PARABÉNS :)
enfim passei mais para agradecer sua visita no meu cantinho, que é muito importante pra mim, volte mais vezes :* e uma boa semana
http://conflitopsiquico.blogspot.com
as ultimas frases deste post me tocaram profundamente! sempre repgnamos a morte, mas temos em mente q ela sempre nos vigia!...parabens por esta linda postagem1 obrigado ppor me emocionar logo no inicio da manha!. bjos, tchau!
blogestarcomvoce.blogspot.com
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