segunda-feira, 18 de maio de 2020

Apesar

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Não parece – porque estamos com a nossa jangadinha num Atlântico de novas ansiedades e de notícias deprimentes –, mas tem coisa boa colorindo o mundo; mesmo o Brasil, esta última estação antes de Mordor (inclusive na temperatura). Eu sei, isso não nos consola totalmente nem põe a nocaute o Kraken fascista que quer nos merendar, mas dá uma força. Até porque, de acordo com o otimismo orgânico que é minha mais enraizada teimosia de vida, é matematicamente impossível que eles sejam maioria. Se os "krakeners" (os destruidores, os devoradores de universos, os gananciosos de divisão e morte) fossem maioria, já não tínhamos planeta. As anacondas mais vorazes são em geral as mais ricas – consequentemente, as mais raras; embora levem o Thanos na barriga e tendam a colecionar todas as joias, são numericamente inferiores às almas protetoras. Não, a destruição não é inevitável: nós somos homens e mulheres de ferro. 

Olhem só. Apesar de toda a propaganda, os clientes estão fugindo do Madero, aquele restaurante que tem um ótimo hambúrguer e um péssimo dono. Apesar de todo o jornalixo de grande empresa praticado em nossas terras, surge de repente uma potência luminosa em forma de Gabriela Prioli, que torce, mastiga, janta e faz passar vergonha no debate qualquer heil-hitlerzinho que lhe ponham na frente. Por sinal, a mesma Gabriela Prioli começa a fazer a querida Anitta e seus seguidores entenderem um pouco mais de política, compreenderem a grandeza e a importância de ter um posicionamento. E a mesma Gabriela Prioli integra a equipe de O mundo pós-pandemia, conversa das noites de sábado na CNN, sempre com entrevistados deliciosos que acendem um lampiãozinho no coração. 2020 is a bitch, mas já estaria perdoado nem que fosse só pelo advento de Gabriela Prioli.

E nem só. 2020 colocou cervos descansando sob cerejeiras no Japão – uma cena em que eu cobiço viver e pousar como meu novo endereço. 2020 pintou quadros fofíssimos de demais animaizinhos recuperando, curiosos, os espaços que temporariamente abandonamos. Mulheres brasileiras de 2020 também cultivaram espaços de amor e beleza, criando grupos nas redes sociais em que se apoiam, se fortalecem, pagam-se contas recíprocas, trocam serviços, se abraçam em depoimentos. Crianças de 2020 inventaram ajustadores de máscaras (para que o EPI não aflija as orelhas dos profissionais de saúde), desenvolveram a "cortina do abraço" (para que avós sejam convenientemente amassados contra o peito sem risco de contágio). Pessoas de 2020, em geral, passaram a fazer compras para vizinhos antes desconhecidos, bateram palmas nas janelas para heróis antes subestimados, deram online um suporte psicológico gratuito para os angustiados, teceram amizades improváveis mesmo entre distâncias proibitivas, penduraram em varais máscaras novinhas para a colheita, uniram-se em ONGs que alimentam, disponibilizaram hotéis, tocaram violino nas varandas, botaram todo o condomínio em aulas de ginástica presenciais mas remotas. A maioria ama, se importa, se comove, compreende o importante mesmo que não capte o científico, colabora, auxilia, empatiza. A maioria continuará seguindo a evolução – essa, sim, inevitável – que, a despeito de todos os espécimes frustrados, nos empurra como gente.

Estamos aqui, ainda somos nós, apesar de 2020. Resta saber o que ainda seremos por causa dele.

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