domingo, 24 de maio de 2020

Bobagens de que a gente gosta mas não vai lembrar em nenhuma lista

Joaninha Mundo Animal Inseto - Foto gratuita no Pixabay

Se me perguntarem coisas que curto fazer, vou provavelmente lançar as informações grandes, como qualquer ser humano com o mínimo de sensatez. O que se espera são verbos amplos e nobres: ler, viajar, ir ao cinema, escrever, dançar. Mas somos feitos de miudezas íntimas, ainda mais agora que estamos inescapavelmente trancados em nós, e acho justo homenageá-las; se não existissem, seríamos um bando de leões enjaulados nos intervalos das grandes ações, batendo cabeça enquanto não chegam os momentos que botamos na biografia. Que vida miserável para os sentidos, essa que pula o cheiro da chuva e só conta os banquetes!

Eu gosto, por exemplo, de entornar o Vanish na roupa durante a lavagem e vê-lo ferver branquinho a qualquer contato com nossos traços orgânicos. Gosto de brincar com os efeitos da luz quando as contas do colar viram pequenos prismas e enchem a parede de arcos-íris bebês. Gosto de descobrir textinhos para provas e exercícios. Gosto de usar nomes esdrúxulos nas provas e exercícios. Adoro tocar o aveludado das folhas recém-nascidas nas plantas. Fico agudamente feliz ao me enternecer por um personagem com tanta força, com TANTA força, que só quero guardá-lo no colo e grudar as pulsações num abraço. Descobrir florezinhas microscópicas naqueles verdinhos que nascem entre a pedra e o cimento me deixa alumbrada.

Me põe bêbada de alegria ver que o luar invadiu a cozinha. Quase morri de contente quando uma joaninha invadiu a cozinha. Gosto de saber significados de nomes. Gosto de ser abordada por escrito e poupada do infinito horror de um telefone tocando. Amo não ser poupada de um gato ou cachorrinho tocando bem-vinda seja sua maciez roçando nas pernas. Tenho uma satisfação automática ao constatar, nos programas de reformas, que há paredes de tijolos e que os armários da cozinha não são brancos. Tenho uma satisfação automática com o silêncio. Com a primeira entrada num quarto de hotel. Com a oleosidade se desfazendo sob o escorrer do detergente no prato. Com a volta ao computador depois de uma refeição redondinha. Com o líquido docinho  mate, suco, achocolatado  que arremata a refeição e oficializa a plenitude. Com o reflexo que nos faz deter a queda de um objeto. Com a mala fechada, lacrada, perfeita. Feita. 

Amo os primeiros minutos depois do banho, a letra da música finalmente aprendida para o canto, os casamentos felizes da trilha sonora com a cena, o achamento DAQUELA palavra que encaixa no texto como o rei em sua Excalibur, a paixão fulminante por uma estampa, o perfume confortável dos nossos próprios lençóis. Amo os dias do mês em que não temos dor e ficamos sensoriais e fluidas, adoro os dias do ano em que não há frio mas também não há suor, sou louca pelas revistas A recreativa mais malvadas e difíceis. Fico deliciada com as febres de criatividade. Dobro a pontinha das páginas com trechos brilhantes, como se não houvesse amanhã. Sou doida pelos não horários, pelos não agendamentos e pelas não obrigações. Estas têm minha assiduidade e lealdade; amor, não. Tenho alma de fim de semana.

Todo o meu derramamento pela vida é uma imensa sexta-feira à noite, aliviada do que já se resolveu, e o fresco da manhã de sábado, amante do privilégio de não prever.

2 comentários:

Juliana disse...

Esse texto melhorou muito o meu dia! Você é maravilhosa!

Fernanda Duarte disse...

Oi, Ju, mil obrigadas pelo carinho tão fofo! Quem gasta um pedacinho do dia para dizer que o outro é maravilhoso – ESSE, sim, é maravilhoso, sabia? 😊😊😊 Beijíssimos cor-de-joaninha para você! 😚😚🧡