Ontem a filosofia botequinesca do Orkut me recebeu assim na abertura do perfil: “Cuidado com o que você diz; entre aqueles que não dizem nada, poucos são os que ficam em silêncio”. Mas que pérola de verdade! O bicho mais em extinção é o sujeito que permanece calado quando não tem o que dizer. A maioria padece do mal que nunca figurará nos programas do Discovery Home & Health, por ser o mais ordinário de nossos dias: o dizernadismo. A incontinência verbal. A diarreia de tolices. O febeapá, como diria Stanislaw – festival de besteira que assola o país.
(Antes fosse só o país.)
98% da programação televisiva é dizernadista convicta. Ao menos em canal aberto. As manchetes do dia abrangem temas enriquecedores como o tapa do MC Coisito na Mulher Fruta-de-Conde em A fazenda, a aparição sem calcinha da Mulher Açaí na quadra da Imperatriz, a última declaração bombástica de Justin Bieber sobre o aniversário de três meses de namoro. Blocos inteiros perdidos nesse fascínio pelo nada, nessa paixão arrebatadora pelo que nos entope os ouvidos – o suficiente para termos pretexto de não escutarmos o programa político ou o Jornal nacional. Ficamos de cérebro obeso e desnutrido, tamanho o número de bobagens coloridas que se consomem antes do jantar.
O caos não se resume ao dizer-falando, amplia-se para o dizer-redigindo. Estão aí as revistecas e jornalecos de meia dúzia de centavos que não me deixam mentir. Fofoquinhas de relacionamento que terminou-começou-estão-se-conhecendo-ele-bateu-nela-apenas-bons-amigos (faltei à aula em que explicaram: por que a gente precisa mesmo saber a kama-sutrice preferida da atriz com o pagodeiro?). Conselhos sentimentais que recomendam “escutar o próprio coração”. Colunas que se encerram com “um beijo no coração”. Relatos minuciosos do estupro na Baixada ou dos eventos a que a lindinha da Malhação compareceu com seu provisoriamente definitivo amor. Primeira página para a garota do tempo que trabalha de biquíni, inclusive quando anuncia máxima de 6 graus. Perfis do consumidos que revelam o creme (ou formato) depilatório favorito da cantora. Obviedades, cafonices, bizarrices, desnecessidades a nos invadir a vista, gordurosas de LDL. Colesterol inútil.
E o didatiquês? Aff. Dizernadite terminal. É um tal de “avaliação qualitativa”, “implementação de melhorias”, “gestão de habilidades”, “critérios de análise”, “descritores de conteúdo” que os colégios de estado e município já deveriam estar mandando aluno para Harvard. Poucos dizernadistas me amofinam tanto quanto os que, perplexos com a ausência de remédio, distraem-se inventando termos para a bula.
É isso o dizernadismo: distração de atônitos, capa de toureiro que encaminha para o ar o chifre que se destina ao peito. Tijolo de chantilly que tira o foco da carência de substância. Prodigalidade burra, engodo. Estupidez de achar que voz (ou letra) pode subitamente virar mãe, e não filha da reflexão. Teimosia de achar que se constrói o que preste na areia barulhenta, e não na rijeza do silêncio. Burrice de achar que nossos clichês são exclusivos, nossas repetições são únicas, nossos sensos comuns são messiânicos.
Té amanhãzim. Beijo no coração.
6 comentários:
Ler seus posts ta virando um vicio ja...rs
adorei
Ler seus posts ta virando um vicio ja...rs
adorei
adorei os neologismos!
bjo
http://floresmaquiadas.blogspot.com
Poxa, muito legal e interessante!
Parabéns pelo blog, gostei de verdade...
Muito bom!!! PArabeeens!
sem-nozes.blogspot.com
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