
O preciso e precioso momento em que se escreve o próprio nome barra qualquer cavalo branco empinado, qualquer espada erguida. Ali começa a ficar independente o país da gente mesmo. Co-me-ça. Alfabetização que se interrompe na assinatura é como um Dom Pedro que deu o grito, desempinou o cavalo, foi para casa dormir e não se fala mais nisso, era apenas um exercício matinal para aliviar a tensão. Alfabetização só termina junto com a pessoa. Inicia a independência e só acaba na morte. Nenhum de nós é alfabetizado: somos todos alfabetizandos.
Ler e escrever o mundo é coisa eterna, ininterrupta (por sinal, que mundinho cada vez mais ininterrupto que a gente foi herdar!). Os mais velhos, por exemplo. Talvez sejam amicíssimos de Shakespeare, talvez leiam Sartre e Foucault até no original, talvez pontuem e acentuem maravilhosamente um texto em letra cursiva ou em Times New Roman. Mas saberão reconhecer o sorriso dentro de um :-), cutucarão sem medo as funções de um celular, programarão um DVD sem esforço, resenharão o último romance da Thalita Rebouças com um risinho de compreensão nos lábios? Tenho dúvidas.
E os novinhos? Talvez saquem tuuuuuudo de iPads, iPods e outros bichos, talvez instalem qualquer programa no notebook enquanto baixam 37 músicas e tricotam no MSN. Talvez destrinchem a linguagem dos emoticons como jovens Indiana Jones lendo hieróglifos. Mas distinguirão o som e o sentido de “sábia”, “sabia” e “sabiá”? Pegarão um conto do Machado e decodificarão sem tradução simultânea do professor? Manjarão Camões sem engasgar na métrica? Rá. Duvido.
Consideramo-nos leitores, escreventes e assinantes fluentes, e ainda assim haverá sempre uns dez ou vinte quesitos – no mínimo – em que somos analfabetos. Inclusive aqueles nos quais temos a petulância de nos achar craques. Sim, tomamos Sartre no original e, chiquérrimos, traduzimos cada termo. E o conteúdo dessa versão? nos atinge como flecha? Lemos com facilidade o torpedo que nos chega no meio da reunião, sem que as teclas nos embananem. Somos capazes, porém, de interpretar o recado de acordo com o calendário, os hormônios, a fase do mês, o limite vocabular daquele(a) que nos enviou? Vemos um gráfico de produtividade da empresa e nos apavoramos com os maus números. Deixamos que a posição dos maus números nos aconselhe boas estratégias?
Entendemos as esquinas das ironias e metáforas? Viramos cúmplices do sarcasmo ocasional sem atacá-lo com abobrinhas? Percebemos se o texto escrito combina com o falado? Se o gesto combina com a voz? Se a voz combina com os olhos? Pescamos deboches? Aceitamos críticas? Criticamos com solidez? Ouvimos com fluidez? Lemos e escrevemos com pupilas, boca, orelha, dedos, garganta?
Se marcamos “sim” para alguns itens e “às vezes” para outros, no surprise: estamos na média. Como a maioria, alfabetizandos que ainda brincam de encontrar a senha da liberdade total, seres em evolução que seguem fazendo o possível para (mentalmente) colocar o mundo em ordem. E progresso.
6 comentários:
Foi impressionante a leitura do início ao fim, eu só devo te parabenizar pelas sábias palavras. Acho que essa conquista de independência é diária na vida de qualquer cidadão brasileiro. Encantada!
Excelente texto, críticas organizadas e de conteúdo. Isto é empolgante, e ganha graciosidade na blogsfera. Letrados ou não, correto é aquele que fala e vive o que diz. É isto merece um brinde, a liberdade nossa de cada dia. Livres das moralidades sociais...
se quiser e puder:
http://eisolteoverbo.blogspot.com
OLHA É COMO EU DISSE ONTEM, QUE PAIS É ESTE É A PORRA DO BRASIL.
TEMOS ANALFABETO COMO DEPUTADO E ACHAMOS ENGRAÇADO VC ACHA QUE ISSO VAI PARAR AONDE?
o pior que a nossa língua n é fácil dai é muito difícil escrever correto o tempo todo
Você deve ser estudante de letras, ou já formada, talvez jornalista? Emfim...Você escreve muito bem, e acada palavra sentimos realmentos a pulsação das emoções que você nos transmite, você tem um alto nível de senso crítico, quem dera ao menos 50% dos brasileiros assim fossem... Pois se "achariam" menos e progrediam mais!
aff! para.. nao da p ter orgulho do pais em que vivmos. e nem vou falar do q acho sobre ele. s nao vai virar discussao..
porem foi muito bem escrito seu texto =D
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