quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Nós

Engraçado quando escuto – e como escuto! – um homem para o outro na rua: “Pode chorar desde já, que nós vamos ultrapassar vocês amanhã”, “Logo mais a gente vira líder, não tem jeito”, “Desta vez é nossa e ninguém tasca!”. Nós? a empresa da família? a galera do clube? os vizinhos do prédio? o grupo da biriba? a equipe de vendas? o pessoal do 5º. andar? Não, óbvio ululante que não. “Nós”, está claríssimo, é o Vasco, o Botafogo, o Fluminense, o Internacional, o Santos, o Grêmio, o Corinthians. Homem nem de nome precisa. Para o porteiro, para o camarada do elevador, para o povo da rua, ele é o flamenguista, o pó-de-arroz, o são-paulino. Quando a coisa tá feia na tabela, o sofredor.

Eu disse “engraçado”, mas não é verdade que ache diversão alguma nessa curiosa irmandade. Afora o que há de farra legítima e implicanciazinha saudável (vá lá, concordo), me bate estranho e me dói esquisito ouvir que um sujeito não se distingue e não é distinto de seu time. Nada contra futebol. Tudo contra o fato de o cidadão se bater como um cruzado em nome de erros, salários, acertos e joelhadas pelos quais não responde, e que, na prática, beneficiam ou prejudicam apenas um grupeco de duas ou três dezenas.

Não consigo deixar de ver relação de vassalos e suseranos. Dos senhores que efetivamente montam na grana e dos que guerreiam por eles sem propósito ou vantagem definidos – (um ruim) just because. Pior é a disseminação absurda da culpa. Se o goleiro Bruno cisma de esquartejar uma ex, subitamente (gritam ou pensam as demais irmandades) foram todos os flamenguistas que a esquartejaram. Se o velho Eurico meteu a mão em cumbuca, foram todos os vascaínos que meteram. Se o Fulanílson do Porangatuba decidiu comemorar o gol provocando a torcida adversária, foram todos os porangatubenses que decidiram. É a gêmea má da solidariedade, a criadora de estereótipos, a detonadora de preconceitos, a fomentadora de generalizações. Cretinas, inevitavelmente.

Fico ruminando impossible dreams. Extravagâncias. A criatura trocar o corporativismo ferrenhamente inútil dos gramados por um “nós” – observe a sandice – que seja motor de transformações reais. Ou paciente de tragédias reais. Nós, os funcionários que acampamos na porta da Câmara para supervisionar votação. Nós, os pedagogos que quebramos a cabeça todas as tardes pelo projeto cultural. Nós, os voluntários que saímos dos (ou rumo aos) cafundós do Judas para dar assistência de saúde. Nós, os professores. Nós, os eleitores. Nós, os fluminenses (mesmo não tricolores). Nós, os cariocas. Nós, os cidadãos – os teimosos, os responsáveis, os politizados, os conscientes, os ecológicos, os esperançosos, os corretos, os honestos, os carnes de pescoço, os gladiadores, os guerreiros. Nós, brasileiros. Um timaço. Que pode perder ou não para a Argentina dentro das quatro linhas, tanto faz.

Contanto que os 191.999.989 jogadores restantes estejam mais preocupados em desatar outros nós.

5 comentários:

Andy A. disse...

O futebol já é algo irraigado , por mais que pensamos que quem ganha são eles e não nós com tudo isso , impossível não torcer , é algo bem cultural que quando bem canalizado faz muito bem . Mas quando mal ...

Urbano disse...

Concordo 100% com vc Fernanda. Nunca curti futebol e embora possa compreender o encanto de qualquer pessoa por qualquer atividade, a identificacão com quem se apaixona com um time x de uma forma muitas vezes tão extrema é de uma única via e não tem sentido. Abs!

Filipe Dias disse...

Bom texto.
Eu gousto de Futebol, mas bemm pouco, quase nunca sei quando o Palmeiras joga ou ganhou...

O grande problema-acredito- é a falta de equilibrio na maioria dos torcedores, que se jugam a instituição, e ao mesmo tempo se julgam melhor que outros torcedores. Não vou negar que fazer chacota com o torcedor do time adiversário é bem divertido. Mas as coisas estão chegando ao extremo da idiotice. Jogadores irritados por que seu time perdeu, invadem o CET para tirar satisfação com os jogadores, porem quando seus patroões os tratam com despeito, juitos destes(que ivadem CET) nada fazem.

O futebom é alienante, sabemos disso, e principalmente seus organizadores, e se não estamos cansados da comparação "com o pão e vinho" é por que muito tem de verdade.

Heitor Regiani disse...

eu sinceramente num me sinto brasileiro nunca pois num vejo nada d+ nessa merda de futbol

até torço e assisto algum jogo mas esse fanatismo e mentalidade é absurdo

Odinilson Bom disse...

Sou botafoguense apaixonado, porém nunca trataria mal alguém de outro clube rival. Acho a torcida do Botafogo SHOW, estar no estádio e gritar, vibrar, é sem igual ! O problema não é o futebol, mas assim como o ser-humano lida como as coisas do seu cotidiano em geral. É bem provável que as pessoas que brigam por futebol, também brigem por outras coisas até mais banais.