quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O sol da liberdade, em raios fúlgidos

Não foi ontem, não. É hoje: dia do grito do Ipiranga mais essencial para um cidadão que se preze. Ontem foi fato isolado, mera formalidade, necessidade política, passagem de um país de pai para filho, encrenca de família. Tudo muito bom, tudo muito bonito, mas não foi nosso o brado retumbante. O seu, o meu, o de todos é hoje – um 8 de setembro que tentamos ardorosamente esticar, como massa de pizza, para as outras 364 datas: Dia Internacional da Alfabetização.

O preciso e precioso momento em que se escreve o próprio nome barra qualquer cavalo branco empinado, qualquer espada erguida. Ali começa a ficar independente o país da gente mesmo. Co-me-ça. Alfabetização que se interrompe na assinatura é como um Dom Pedro que deu o grito, desempinou o cavalo, foi para casa dormir e não se fala mais nisso, era apenas um exercício matinal para aliviar a tensão. Alfabetização só termina junto com a pessoa. Inicia a independência e só acaba na morte. Nenhum de nós é alfabetizado: somos todos alfabetizandos.

Ler e escrever o mundo é coisa eterna, ininterrupta (por sinal, que mundinho cada vez mais ininterrupto que a gente foi herdar!). Os mais velhos, por exemplo. Talvez sejam amicíssimos de Shakespeare, talvez leiam Sartre e Foucault até no original, talvez pontuem e acentuem maravilhosamente um texto em letra cursiva ou em Times New Roman. Mas saberão reconhecer o sorriso dentro de um :-), cutucarão sem medo as funções de um celular, programarão um DVD sem esforço, resenharão o último romance da Thalita Rebouças com um risinho de compreensão nos lábios? Tenho dúvidas.

E os novinhos? Talvez saquem tuuuuuudo de iPads, iPods e outros bichos, talvez instalem qualquer programa no notebook enquanto baixam 37 músicas e tricotam no MSN. Talvez destrinchem a linguagem dos emoticons como jovens Indiana Jones lendo hieróglifos. Mas distinguirão o som e o sentido de “sábia”, “sabia” e “sabiá”? Pegarão um conto do Machado e decodificarão sem tradução simultânea do professor? Manjarão Camões sem engasgar na métrica? Rá. Duvido.

Consideramo-nos leitores, escreventes e assinantes fluentes, e ainda assim haverá sempre uns dez ou vinte quesitos – no mínimo – em que somos analfabetos. Inclusive aqueles nos quais temos a petulância de nos achar craques. Sim, tomamos Sartre no original e, chiquérrimos, traduzimos cada termo. E o conteúdo dessa versão? nos atinge como flecha? Lemos com facilidade o torpedo que nos chega no meio da reunião, sem que as teclas nos embananem. Somos capazes, porém, de interpretar o recado de acordo com o calendário, os hormônios, a fase do mês, o limite vocabular daquele(a) que nos enviou? Vemos um gráfico de produtividade da empresa e nos apavoramos com os maus números. Deixamos que a posição dos maus números nos aconselhe boas estratégias?

Entendemos as esquinas das ironias e metáforas? Viramos cúmplices do sarcasmo ocasional sem atacá-lo com abobrinhas? Percebemos se o texto escrito combina com o falado? Se o gesto combina com a voz? Se a voz combina com os olhos? Pescamos deboches? Aceitamos críticas? Criticamos com solidez? Ouvimos com fluidez? Lemos e escrevemos com pupilas, boca, orelha, dedos, garganta?

Se marcamos “sim” para alguns itens e “às vezes” para outros, no surprise: estamos na média. Como a maioria, alfabetizandos que ainda brincam de encontrar a senha da liberdade total, seres em evolução que seguem fazendo o possível para (mentalmente) colocar o mundo em ordem. E progresso.

6 comentários:

Wanderly Frota disse...

Foi impressionante a leitura do início ao fim, eu só devo te parabenizar pelas sábias palavras. Acho que essa conquista de independência é diária na vida de qualquer cidadão brasileiro. Encantada!

Anônimo disse...

Excelente texto, críticas organizadas e de conteúdo. Isto é empolgante, e ganha graciosidade na blogsfera. Letrados ou não, correto é aquele que fala e vive o que diz. É isto merece um brinde, a liberdade nossa de cada dia. Livres das moralidades sociais...

se quiser e puder:
http://eisolteoverbo.blogspot.com

Belinha disse...

OLHA É COMO EU DISSE ONTEM, QUE PAIS É ESTE É A PORRA DO BRASIL.
TEMOS ANALFABETO COMO DEPUTADO E ACHAMOS ENGRAÇADO VC ACHA QUE ISSO VAI PARAR AONDE?

KGeo disse...

o pior que a nossa língua n é fácil dai é muito difícil escrever correto o tempo todo

Lane disse...

Você deve ser estudante de letras, ou já formada, talvez jornalista? Emfim...Você escreve muito bem, e acada palavra sentimos realmentos a pulsação das emoções que você nos transmite, você tem um alto nível de senso crítico, quem dera ao menos 50% dos brasileiros assim fossem... Pois se "achariam" menos e progrediam mais!

Pam Dal Alva disse...

aff! para.. nao da p ter orgulho do pais em que vivmos. e nem vou falar do q acho sobre ele. s nao vai virar discussao..
porem foi muito bem escrito seu texto =D