terça-feira, 13 de setembro de 2011

Perder a ideia

Outro casal do curso de noivos trouxe uma expressão interessantíssima: “perder a ideia”. Não, não se trata de ter um insight distraído e deixá-lo escapulir pelo basculante. Ou de ser o artista que sua frio atrás da inspiração fujona. É coisa voluntária, calculada e difícil. Quem perde a ideia não está caçando nenhuma convicção novinha, muito ao contrário: joga fora certezas velhas, emboloradas; ou as que nem tão velhas são, mas enroscam na gente feito cipó de desenho animado, imobilizando passos e tapando o ouvido mais que cera. Aquelas decisões que, por preguiça, chamamos eternas – as que nos fincam bandeirinha em momentos de baixa guarda; o joio que não arrancamos de nascença e, miserável!, se apossa do suposto terreno de plantação.

Sossegue quem pensa que perder a ideia é dar descarga em si mesmo e, zeradinho, ficar à espera da colonização alheia. Não é. Aliás, é justamente tacar na lixeira a mania de colonização. Uma vez dentro de um casal, ninguém é espanhol e ninguém é asteca, ninguém é francês e ninguém é marroquino. Não há dominante ou dominado, a não ser que se esteja numa brincadeirinha sadomasô. Há dois cálices mutuamente se entornando, num movimento não de igualar os drinques, mas de produzir, em cada um, coquetel melhor do que antes da partilha. Parceria não é posse, não é compra; é empréstimo. Deixa em cada prato o ingrediente principal, mas é tempero recíproco.

Perde a ideia quem sabe dar stop (ao menos pause) na tagarelice interna para descobrir o fenômeno transcendental chamado diálogo. Quem está apto a não se proclamar Cleópatra ou Napoleão. Quem tem a epifania de ver o outro – terra estrangeira, cultura díspar – como país em que se entra com o devido passaporte para passear, não para dar golpe de Estado. Quem sabe ser inquilino e anfitrião sem fazer-se proprietário ou carcereiro. Perde a ideia quem se despe da farda e põe roupa de banho para mergulhar no alheio, quem vai para a relação com o coração livre de sacolas, livre de bolsos, nu de carimbos e documentos. Perde a ideia quem pede o divórcio parcial de si em troca do matrimônio a dois. Quem abandona as malas no hotel e viaja no amado com bolsinha a tiracolo. Quem não acha que o melhor de si próprio tem o intocável e o dogmático de uma Mona Lisa.

Por si só, perder a ideia não cura e não resolve, como não resolve para sempre um único dia de faxina. Não há, porém, território arado e limpo que não seja a primeira das ferramentas de construção.

5 comentários:

Sá - Pô! disse...

Ei, psiu, Tem selinho para você aqui, olha: http://coisasdesayuri.blogspot.com/2011/09/selinho.html
Sayuri

Unknown disse...

ah, como é difícil abrir mão do que mais amamos: nós mesmos. nossas ideias parecem sempre as melhores, o melhor jeito de pensar é o meu. como dialogar assim?

ouvir, mesmo que seja é o silêncio é um bom primeiro passo em direção a esta tecnologia fantástica que poucos tem acesso, o diálogo.

abraço, sempre bom passar por este lugarzito.

Gabie disse...

curti seu blog e to seguindo :)

me segue também?!

http://prettywomannow.blogspot.com/

Viviane Camacho disse...

eu sempre perdia a ideia quando conversava com meu ex.

Lucas Adonai disse...

Muito legal... parabéns!