sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Quando o segundo sol chegar

Ouviram ontem? o povo da Nasa descobriu um planetinha que gira em torno de dois sóis. Dooooois sóis. E cadê que ajuda? O pobre planeta é um deserto gelado. Já todo ferradinho (a superfície é metade rocha, metade gás), foi logo arrumar uma dupla que não comparece. As estrelas são duas, mas são frias – ao menos mais frias que o nosso Sol velho de guerra. E menores. No cruel mundo dos astros (eu, minúscula, estava lascada), importa sim o tamanho, diretamente ligado à luz que proporciona.

Fora o detalhe do tamanho, o resto é igualzinho à nossa física individual e terráquea. Metaforizemos, já que a natureza está aí para isso. Um sol competente é superior a dois furrecas? Qualidade é melhor que quantidade? Exato, exatíssimo. Mas minhas considerações diante da notícia não foram por aí. Fiquei matutando: seja qual seja a dimensão, rodear um segundo sol não é negócio. Decididamente não realinha a órbita de nenhum planeta. Bem ao contrário: baratina o eixo de qualquer um. Já nos custa um tantão manter a coerência numa só estrada – vamos lá arranjar sarna com duas?

Dois amores, por exemplo. Ou o que as pessoas chamam preguiçosamente de amores. Simultâneos. Como dar certo? Não estamos ganhando duas opções, estamos abrindo mão de uma resposta. Qualquer atual ou ex-estudante conhece o esquema: assinalar mais de um item é o mesmo que anular o correto, ainda que esteja entre eles. Fica-se vagando de um infinito particular a outro, como que saltitando entre Portugal e China, entre Havaí e Venezuela. Um é sambista, o outro odeia música. Um só quer saber de cinema, o outro não sai do estádio. Um contrata telegrama animado e te mata de vergonha, mas o outro só faz declaração em dia santo de ano bissexto. Qual deles? Juntos, nenhum. Amor já é, quando simples, a complicação de dois universos e duas culturas – imagina de três. Coração não tem equipamento de ONU: nem espaço, nem cadeira, nem diplomata. Só dois assentos e duas bandeiras estão no orçamento. E um tradutor – bilíngue. O amador pode (deve) não ser ciumento, o amor é; envolve um tal calhamaço de detalhes, uma biblioteca tão vasta de preferências e cheiros, uma tamanha enciclopédia de datas e presentes e aniversários e sinais de nascença e roupas, que convenhamos: não rola segundo sol. Alinhada ou destrambelhada, é órbita que só dá para dois. No terceiro é Armageddon.

Assim no trabalho. A gente, claro, se equilibra pisando cá e lá – escreve e dá aula, revisa e compõe, vende e fotografa, projeta e joga, calcula e pinta. A gente precisa ou curte se subdividir em profissionais multiplicados. Maravilha. Não há como dizer que não dá certo em termos gerais; pessoalmente, no entanto, posso testemunhar que algum pedacinho acaba doendo, atrofiando um ou dez centímetros, ressentido do déficit de atenção. A não ser (ideia em estudos) que subamos um puxadinho ao lado das parcas 24 horitas disponíveis.

Estamos livres e aptos, sim, para amar milhões de interesses, para cultivar trilhões de carreiras, para acolher quaquilhões de pessoas (de preferência, todas). Só não estamos programados para priorizá-los todos. Somos terráqueos demais para nos entregar com a mesma integridade a dois senhores, únicos demais para dançarmos em dois eixos. Somos muito – mas somos pouco demais para que o muito se fragmente sem se tornar muito pouco. Um “muito pouco” que resulta injusto para o que se ama muito.

Quanto ao suposto segundo sol, fiquemos em alerta. Astro-rei é que não há de ser. Provavelmente os astrônomos diriam se tratar de um outro cometa.

8 comentários:

Viviane Camacho disse...

adorei. vou curtir no facebook. preciso mostrar esse texto para as minhas amigas. Eu particularmente penso como vc. Não consigo me envolver com duas pessoas ao mesmo tempo. Posso até ficar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo. Mais me envolver já é outros 500.

It'sM disse...

adorei o blog muito bom

Arlan Souza disse...

obrigado pela visita ao meu blog, e valeu pelas "correcõezinhas"
volto em breve para comentar aqui tbm.
abs.

Wellington disse...

Fiquei bobo! Se por um lado seu post começa com O Segundo Sol ele termina com música de Cássia Eller. E adorei essa sua opinião sobre como seria a vida com dois uma vez que um já é confusão demais. Duas respostas na prova ou dois amores. ...rsrsrs... Bela compreensão.

"Quando o segundo sol chegar
Para realinhar as órbitas dos planetas
Derrubando com assombro exemplar
O que os astrônomos diriam
Se tratar de um outro cometa"

Parabéns! =)

Grande abraço!

Visita meu blog?! ;D

http://neowellblog.wordpress.com/

Wanderly Frota disse...

Gosto das coisas singulares. Elas me preenchem melhor e aparentam ser bem mais belas! Um sol, um amor, já me basta! Ótimo texto.

Anônimo disse...

cara, sabia que eu já escrevi um post assim praticamente igual ao seu e tb relacionando com a música do Nando Reis? na verdade, eu fiz uma intertextualidade com a música, o nome do meu texto é "Um Segundo Sol". beijo


http://diariodagarotadevariasfaces.blogspot.com/
sigo quem me segue e retribuo comentários

Dagmar disse...

Amei. Duas pessoas não dá, é como servir a 2 senhores, sem condição!

Sem Nozes disse...

Tbm nao me vejo com duas. Definitivamente nao dá!

www.semnozes.blogspot.com