“Mas há os que, com a maturidade, só veem aumentar a fome de beleza. É como se, através de um necessário e crescente convívio com o belo, já estivessem se desgarrando das feias impurezas terrenas e pressagiando uma luminosa forma de eternidade. [...]”
“A crescente necessidade de beleza faz com que já não nos baste mais sair à sua procura ou apenas frequentá-la de quando em quando. Há urgência em sequestrá-la ou habitá-la para sempre. Disseminá-la nos objetos da casa, despertá-la no corpo amado, desentranhá-la do anonimato e da solidão.”
São trechos que bebi enamorada de Affonso Romano, numa de suas delícias crônicas: “Fome de beleza”. Sentei-me tão na beirada do texto que por pouco não tropecei para dentro e o habitei. Porque sou isso – sou integral, emergencial e nervosamente isso, sou inevitavelmente isso, sou inteira e justamente isso; sou a criatura tão fujona das terribilices do mundo que a mera musiquinha de RJ-TV me causa inflamações no baço, me põe urtigas no peito. A feiura tão constante e absurda dos jornais me dá cólicas, me infecciona os olhos, me deita fel na língua, me espicaça a gastrite, me estupra, me dói. Não me sobra vida possível nessa poluição de horror que adentra os dias. Não me resta ar inspirável na maior parte das 24 horas compulsórias. A não ser no recolhimento de mim, ou em braços de amor, de amizade e de arte, viver tem sido dar de cara com um planeta de visigodos.
E então a beleza perene é pra ontem. É pra semana passada. É para o bimestre anterior. É remédio imediato dos corações em carne viva, das tristezas terminais. Para cada aluna de 11 anos que sabemos grávida, há que haver (urgente!) a notícia de uma ONG que produza bailarinas ou violinistas. Para cada trem depredado por mau funcionamento, há que haver (urgente!) um novo bondinho deslizando em Santa Teresa, uma nova aleia de jambeiros no Jardim Botânico. Para cada versão do vírus da dengue descoberta, há que nascer (agora!) um Vinícius ou um Portinari, um Rodin ou um Paganini. Carece abrir-se um portal de luz que nos engolfe, que nos arranque do costume das decepções, do hábito das agruras; que nos tome possessivamente, que nunca mais nos devolva. Precisa irromper a felicidade súbita, definitiva – que meta um golpe de estado na realidade e a cinderele, a cinderele inteira. Faz-se necessário o oposto da bomba. Faz-se essencial o susto que espalhe vida.
Que a beleza total nos desabe na frente com pressa de telegrama. Que haja urgência em convocar-nos, em sequestrar-nos. E habitar-nos para sempre.
“A crescente necessidade de beleza faz com que já não nos baste mais sair à sua procura ou apenas frequentá-la de quando em quando. Há urgência em sequestrá-la ou habitá-la para sempre. Disseminá-la nos objetos da casa, despertá-la no corpo amado, desentranhá-la do anonimato e da solidão.”
São trechos que bebi enamorada de Affonso Romano, numa de suas delícias crônicas: “Fome de beleza”. Sentei-me tão na beirada do texto que por pouco não tropecei para dentro e o habitei. Porque sou isso – sou integral, emergencial e nervosamente isso, sou inevitavelmente isso, sou inteira e justamente isso; sou a criatura tão fujona das terribilices do mundo que a mera musiquinha de RJ-TV me causa inflamações no baço, me põe urtigas no peito. A feiura tão constante e absurda dos jornais me dá cólicas, me infecciona os olhos, me deita fel na língua, me espicaça a gastrite, me estupra, me dói. Não me sobra vida possível nessa poluição de horror que adentra os dias. Não me resta ar inspirável na maior parte das 24 horas compulsórias. A não ser no recolhimento de mim, ou em braços de amor, de amizade e de arte, viver tem sido dar de cara com um planeta de visigodos.
E então a beleza perene é pra ontem. É pra semana passada. É para o bimestre anterior. É remédio imediato dos corações em carne viva, das tristezas terminais. Para cada aluna de 11 anos que sabemos grávida, há que haver (urgente!) a notícia de uma ONG que produza bailarinas ou violinistas. Para cada trem depredado por mau funcionamento, há que haver (urgente!) um novo bondinho deslizando em Santa Teresa, uma nova aleia de jambeiros no Jardim Botânico. Para cada versão do vírus da dengue descoberta, há que nascer (agora!) um Vinícius ou um Portinari, um Rodin ou um Paganini. Carece abrir-se um portal de luz que nos engolfe, que nos arranque do costume das decepções, do hábito das agruras; que nos tome possessivamente, que nunca mais nos devolva. Precisa irromper a felicidade súbita, definitiva – que meta um golpe de estado na realidade e a cinderele, a cinderele inteira. Faz-se necessário o oposto da bomba. Faz-se essencial o susto que espalhe vida.
Que a beleza total nos desabe na frente com pressa de telegrama. Que haja urgência em convocar-nos, em sequestrar-nos. E habitar-nos para sempre.
Um comentário:
Não nos esqueçamos que a beleza está nos olhos de quem vê!!
Belo texto, Fernanda, como sempre.
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