O capítulo final de 210 Chicos não nos deixou coração suficiente para o fim da novela. Sorte do coração. Em geral desenvolvo uma grande ou leve ternura por três ou quatro personagens, pela trama, pela trilha, pela abertura, pela torcida de um casal que se adora convincentemente, pela discussão de uma polêmica que argumentativamente nos perturba. Pois desta vez não saí da história com nenhum engulho de reentrar na vida, mesmo por não ter chegado a pisar nem na soleira do enredo. Não sobraram afetos nem memórias de uma obra fundada no deboche à boa vontade espectadora – e calcada na certeza de que, fosse qual fosse o absurdo apresentado, seria ainda como pérolas aos porcos. Éramos bando de Crôs lambendo as botas de uma Tereza Cristina; bando de slaves congelados em nossa audiência servil.
Exemplos? pois vamos aos exemplos. Um dos princípios do bom fim, sabem todos, é saciar a fome de respostas. É cortar cada fiozinho solto dos mistérios semeados. A não ser que se esteja, como um certo Machado, bordando a pura beleza das perguntas – mas eu e o leitor concordaremos que a dúvida sobre os amores de Crodoaldo Valério não tem exatamente o peso daquela sobre os de Capitu, aquele claro enigma cuja construção bastava em si mesma. Ademais, são furadíssimos os argumentos do mordomo para sonegar informações; são estapafúrdias as alegações de que, em Tieta, não se soube o conteúdo da caixa de Perpétua. Soube-se, e muito grandemente sabido. Não foi (nem poderia ser) visto pelo respeitável público de casa, porém cansou de ser enxergado no malicioso espanto dos santanenses do agreste. Quantas, hum, opções anatômicas cabiam na obsessão de Perpétua pelo marido falecido? E quantas alternativas para a identidade do parceiro de Crô cabiam na dedução dos espectadores? Tentar igualar as situações é ato de pirraça e preguiça dramatúrgica. Birra, antipatia, capricho de mimados. Ataque de divice.
Fosse só isso, estávamos bem. Satisfeitos e regalados. Mas e a bizarrice da cena marítima, em meio aos horrores da tempestade que deu vergonha alheia? E a xumbreguice do “verdadeiro” segredo de Tereza Cristina? E o esquecimento do casal realmente interessante – Celeste e Zoiudo –, que não teve chance de reconciliar-se em suas limitações? E o também esquecimento da doutora Danielle, que não chegou a receber passagem para suas boas ações africanas? E as barrigas grávidas que não cresciam? E a paraninfa que nunca botou pezinho numa sala de aula? E a formatura em Medicina com familiares e amigos (e amigos de pseudoamigos de quase amigos) de um único integrante da turma? E a bisonheira completa da última cena, sem pudor, sem nexo, sem bainha, sem explicações? E, e, e? outras tantas traições ao sagrado pacto de autor e espectador: ele nos conduz por mão confiável, nós suspendemos a descrença?...
Que João Emanuel nos valha com sua seriedade e bons históricos, e boas histórias. Que Mark Twain nos valha com sua máxima textual a pairar pelos séculos: “A diferença entre realidade e ficção é que ficção precisa fazer sentido”.
Exemplos? pois vamos aos exemplos. Um dos princípios do bom fim, sabem todos, é saciar a fome de respostas. É cortar cada fiozinho solto dos mistérios semeados. A não ser que se esteja, como um certo Machado, bordando a pura beleza das perguntas – mas eu e o leitor concordaremos que a dúvida sobre os amores de Crodoaldo Valério não tem exatamente o peso daquela sobre os de Capitu, aquele claro enigma cuja construção bastava em si mesma. Ademais, são furadíssimos os argumentos do mordomo para sonegar informações; são estapafúrdias as alegações de que, em Tieta, não se soube o conteúdo da caixa de Perpétua. Soube-se, e muito grandemente sabido. Não foi (nem poderia ser) visto pelo respeitável público de casa, porém cansou de ser enxergado no malicioso espanto dos santanenses do agreste. Quantas, hum, opções anatômicas cabiam na obsessão de Perpétua pelo marido falecido? E quantas alternativas para a identidade do parceiro de Crô cabiam na dedução dos espectadores? Tentar igualar as situações é ato de pirraça e preguiça dramatúrgica. Birra, antipatia, capricho de mimados. Ataque de divice.
Fosse só isso, estávamos bem. Satisfeitos e regalados. Mas e a bizarrice da cena marítima, em meio aos horrores da tempestade que deu vergonha alheia? E a xumbreguice do “verdadeiro” segredo de Tereza Cristina? E o esquecimento do casal realmente interessante – Celeste e Zoiudo –, que não teve chance de reconciliar-se em suas limitações? E o também esquecimento da doutora Danielle, que não chegou a receber passagem para suas boas ações africanas? E as barrigas grávidas que não cresciam? E a paraninfa que nunca botou pezinho numa sala de aula? E a formatura em Medicina com familiares e amigos (e amigos de pseudoamigos de quase amigos) de um único integrante da turma? E a bisonheira completa da última cena, sem pudor, sem nexo, sem bainha, sem explicações? E, e, e? outras tantas traições ao sagrado pacto de autor e espectador: ele nos conduz por mão confiável, nós suspendemos a descrença?...
Que João Emanuel nos valha com sua seriedade e bons históricos, e boas histórias. Que Mark Twain nos valha com sua máxima textual a pairar pelos séculos: “A diferença entre realidade e ficção é que ficção precisa fazer sentido”.
Um comentário:
Eu não gosto de novela. E sei fazer como Foucault, e usar as próprias máximas de Twains ou Tchecovs para lhes desconstruir o sentido...
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