12 de março marca o Dia do Bibliotecário no Brasil, por causa do vocacionadíssimo Manuel Bastos Tigres (nascido na data), que se apaixonou pela Classificação Decimal de Dewey. Abençoados sejam os que se apaixonam pelas classificações decimais. Se não os houvesse, gente como eu – que inevitavelmente força os livros a um estado de desorganização calamitosa – mergulharia o mundo no caos, e privaria a humanidade de suas maravilhas: bibliotecas. Que inaceitável o planeta se, além da paz universal, não existissem bibliotecas! Ou se não existisse sua confiabilidade tranquilizadora; a chance de lá chegarmos e (faça chuva, faça sol) termos acesso ao livro mais improvável, presente sempre no mesmo bat-lugar, firme e quietinho em sua prateleira. Infalivelmente. A eficiência disciplinada dos bibliotecários nos enrijece a fé.
Nunquinha que eu, entretanto, por maior bem-querer que tenha às bibliotecas, daria uma boa profissional do ramo. Justamente porque é amor bandido, voraz, não a paixão metódica desses heróis da arrumação. Faço vários livros de amantes ao mesmo tempo; largo um cá, outro lá, o primeiro numa bolsa, o segundo noutra, um terceiro no armário, um 18º que baila entre a pasta de trabalho e a cabeceira – e dançam todos um tango doido, alternando-se diante de minha atenção sem (aparentes) lógicas. Não digo que os faço de gato e sapato, mas não me saem incólumes. Acontece que sou incapaz de ler sem os cheirar e catucar ruidosamente as páginas e às vezes pausá-los abertos sobre o peito, ou largá-los de cócoras no sofá, arreganhados, pasmados. Pior: faço orelhas – orelhas! – propositais para assinalar a parada na leitura, por não gostar dos marcadores separados e suas quedas traidoras. Sim, dobro o alto da página; mea culpa. Uma sem-vergonhice. Pois fazia até pior, dobrando também o pé da folha na tentativa de guardar a posição das melhores frases. Desisti, no entanto; o livro embalofava como agenda de adolescente, e perdia a usabilidade essencial dos brinquedos. Como todo amante inacessível, perdia a graça.
Porque é assim que gosto de meus parceiros de papel: acessíveis. Se os trato com deferência exagerada, brincar fica tão saboroso como ganhar de Natal a boneca intocável, rendada, perfeita, de porcelana inútil. Mas dou pancadinhas com gentileza e faço as justas exceções. Poupo as folhas dos livros velhos, por exemplo, que se quebram na ameaça de dobra. Não sublinho nunca os mais belos trechos, para que os olhos escutem a todos com a mesma fluidez e não tenham surpresas gritadas, agendadas. E ja-mais empresto livros; não ignoro sua tendência de voar sem volta, e lhes podo as asas carinhosamente. Tudo de que precisam, mesmo após temporadas de cabeceira e bolsa, é a prateleira materna pra chamar de sua. Principalmente se minha.
Livro tem de receber uma boa mão na orelha todo dia pra saber (que ele é) quem manda.
Nunquinha que eu, entretanto, por maior bem-querer que tenha às bibliotecas, daria uma boa profissional do ramo. Justamente porque é amor bandido, voraz, não a paixão metódica desses heróis da arrumação. Faço vários livros de amantes ao mesmo tempo; largo um cá, outro lá, o primeiro numa bolsa, o segundo noutra, um terceiro no armário, um 18º que baila entre a pasta de trabalho e a cabeceira – e dançam todos um tango doido, alternando-se diante de minha atenção sem (aparentes) lógicas. Não digo que os faço de gato e sapato, mas não me saem incólumes. Acontece que sou incapaz de ler sem os cheirar e catucar ruidosamente as páginas e às vezes pausá-los abertos sobre o peito, ou largá-los de cócoras no sofá, arreganhados, pasmados. Pior: faço orelhas – orelhas! – propositais para assinalar a parada na leitura, por não gostar dos marcadores separados e suas quedas traidoras. Sim, dobro o alto da página; mea culpa. Uma sem-vergonhice. Pois fazia até pior, dobrando também o pé da folha na tentativa de guardar a posição das melhores frases. Desisti, no entanto; o livro embalofava como agenda de adolescente, e perdia a usabilidade essencial dos brinquedos. Como todo amante inacessível, perdia a graça.
Porque é assim que gosto de meus parceiros de papel: acessíveis. Se os trato com deferência exagerada, brincar fica tão saboroso como ganhar de Natal a boneca intocável, rendada, perfeita, de porcelana inútil. Mas dou pancadinhas com gentileza e faço as justas exceções. Poupo as folhas dos livros velhos, por exemplo, que se quebram na ameaça de dobra. Não sublinho nunca os mais belos trechos, para que os olhos escutem a todos com a mesma fluidez e não tenham surpresas gritadas, agendadas. E ja-mais empresto livros; não ignoro sua tendência de voar sem volta, e lhes podo as asas carinhosamente. Tudo de que precisam, mesmo após temporadas de cabeceira e bolsa, é a prateleira materna pra chamar de sua. Principalmente se minha.
Livro tem de receber uma boa mão na orelha todo dia pra saber (que ele é) quem manda.
Um comentário:
Eis uma homenagem linda aos livros e à paixão à literatura!
Concordo contigo: não dá para estar com um livro sem deixar alguma marca.
Postar um comentário