Março, nos Estados Unidos (não sei se em outras plagas), é o Mês da Nutrição. Da nutrição física, é claro. Corpórea. De comer certinho, direitinho, com todos os devidíssimos legumes e frutas e verduras, poucas orgias de açúcares, de preferência nenhuma de gorduras escorrentas. Muito bem. É excelente que eles – principalmente eles, americanos, com suas lanchices supersized – tenham mês de refletir sobre os abusos contra o organismo, e coisa mui digna de ser imitada no resto do planeta. Mesmo assim é pouco. Pouquíssimo. Não só em termos de nutrição que envolve estômago, a propriamente dita; é pouco (é menos ainda) em termos de nutrição geral. Irrisório no que se refere ao conjunto de fomes do mundo. O agrupamento de necessidades não supridas que anda deixando o povo de alma anoréxica.
“Anoréxica” é bem o verbete, porque implica recusa. Ter e não querer. Tocar com olhos e mãos e não se pôr seduzido. Apreciar e não se deixar apetecer. Pilhar uma lua cheia como a de ontem e esnobá-la com desprezo escandaloso (nin-guém olha!); receber mail com versos de Pessoa e deletá-lo sem lhe correr a vista; ser confrontado com um pianista no shopping e prosseguir nas compras, sem dois segundos de permeabilidade. Anoréxicos interiores, como aqueles que aparecem esquálidos nas revistas, habituam-se a renegar o impulso da nutrição até extingui-lo. São convidados e faltam, são amados e ignoram, são acarinhados e repelem, ganham livros e os repassam, ganham ingressos e os esquecem, ganham beijos e os reciclam. Ei-los, aí, nos alunos que têm bons professores e perdem o ano por leseira incorrigível. Ei-los no público que tem show gratuito e puxa vaia, no rapaz que tem alternativa e prefere o crime, na mocinha que tem o parceiro ideal e o trai com um qualquerzito. Ei-los, os anoréxicos d’alma – os ingratos, os indiferentes –, em todo canto onde há mais facilidade que fome.
Existem também bulímicos emocionais, talvez piores. Não são escudos em que as influências batem e voltam, muito ao contrário: absorvem-nas todas com estupidez de draga, devorando, incorporando as fontes sem consciência ou critério, sem saliva que amacie, sem reflexão mastigada. E devolvem essa mixórdia de informações e valores num vômito insano. São produtos desesperados de filmes, novelas, games, propagandas, comícios, funkices, famílias, camaradagens, empresas – um tudão que nem sempre se complementa em questões nutritivas, quando não provoca congestão ao ser combinado inadvertidamente. Os bulímicos da cultura transbordam o caldo podre em que, neles, se transforma a nossa orgia de estímulos. Não encontram guia que lhes oriente a cura da ressaca; não acham Eparema que os ajude a digerir o planeta. Vazam, apenas. Vazam tiros, revoltas, quebradeiras, rachas de carro, moradores de rua queimados, massacres em Columbine. Sem mais o que consumir, vomitam-se. Não se nutrem, não saboreiam. Não comem por decisão, carência ou fome; comem por gula e espanto.
Neste Nutrition Month de longos 31 dias, cultivemos o apetite moderado e buscante das coisas belas, das delicadezas sem colesterol, da degustação tranquila de seriedades necessárias. Sejamos o cardápio de gente ideal; amemos o gosto das refeições possíveis.
... Ou empalideceremos todos de anemia sentimental, apalermados diante das grandezas e pequenices surgidas. Se não ficarmos reféns dos excessos de nossas (prisões) solitárias.
“Anoréxica” é bem o verbete, porque implica recusa. Ter e não querer. Tocar com olhos e mãos e não se pôr seduzido. Apreciar e não se deixar apetecer. Pilhar uma lua cheia como a de ontem e esnobá-la com desprezo escandaloso (nin-guém olha!); receber mail com versos de Pessoa e deletá-lo sem lhe correr a vista; ser confrontado com um pianista no shopping e prosseguir nas compras, sem dois segundos de permeabilidade. Anoréxicos interiores, como aqueles que aparecem esquálidos nas revistas, habituam-se a renegar o impulso da nutrição até extingui-lo. São convidados e faltam, são amados e ignoram, são acarinhados e repelem, ganham livros e os repassam, ganham ingressos e os esquecem, ganham beijos e os reciclam. Ei-los, aí, nos alunos que têm bons professores e perdem o ano por leseira incorrigível. Ei-los no público que tem show gratuito e puxa vaia, no rapaz que tem alternativa e prefere o crime, na mocinha que tem o parceiro ideal e o trai com um qualquerzito. Ei-los, os anoréxicos d’alma – os ingratos, os indiferentes –, em todo canto onde há mais facilidade que fome.
Existem também bulímicos emocionais, talvez piores. Não são escudos em que as influências batem e voltam, muito ao contrário: absorvem-nas todas com estupidez de draga, devorando, incorporando as fontes sem consciência ou critério, sem saliva que amacie, sem reflexão mastigada. E devolvem essa mixórdia de informações e valores num vômito insano. São produtos desesperados de filmes, novelas, games, propagandas, comícios, funkices, famílias, camaradagens, empresas – um tudão que nem sempre se complementa em questões nutritivas, quando não provoca congestão ao ser combinado inadvertidamente. Os bulímicos da cultura transbordam o caldo podre em que, neles, se transforma a nossa orgia de estímulos. Não encontram guia que lhes oriente a cura da ressaca; não acham Eparema que os ajude a digerir o planeta. Vazam, apenas. Vazam tiros, revoltas, quebradeiras, rachas de carro, moradores de rua queimados, massacres em Columbine. Sem mais o que consumir, vomitam-se. Não se nutrem, não saboreiam. Não comem por decisão, carência ou fome; comem por gula e espanto.
Neste Nutrition Month de longos 31 dias, cultivemos o apetite moderado e buscante das coisas belas, das delicadezas sem colesterol, da degustação tranquila de seriedades necessárias. Sejamos o cardápio de gente ideal; amemos o gosto das refeições possíveis.
... Ou empalideceremos todos de anemia sentimental, apalermados diante das grandezas e pequenices surgidas. Se não ficarmos reféns dos excessos de nossas (prisões) solitárias.
3 comentários:
Muito bom ! ;D
concordo com o Lucas
os manos loucos
Precisamos repensar o cardápio muitas vezes... dos alimentos para o corpo e para a alma...
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